A construção de um filme histórico

Carolina Maria de Jesus ganha cinebiografia 110 anos de nascimento

Novo filme sobre a autora de “Quarto de Despejo”, estrelado por Maria Gal e dirigido por Jeferson De, resgata a potência de Carolina.

Na Mira

Atualizada em 21/11/2025 às 17h04
Carolina Maria de Jesus ganha cinebiografia após 110 anos. (Foto: Ellen Soares/gshow)

BRASIL - Em 1958, na favela do Canindé, na Zona Norte de São Paulo, os cadernos de uma mulher negra retinta dariam origem a um dos livros mais impactantes da literatura brasileira: “Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus. Publicado em 1960, o diário se tornou um fenômeno imediato, vendia quase 3 mil exemplares por dia, e levou sua autora a eventos no Brasil e na América Latina, tornando-se best-seller em 11 países.

Agora, 110 anos após o nascimento de Carolina, sua trajetória chega às telonas no filme “Carolina – Quarto de Despejo”, dirigido por Jeferson De. O gshow acompanhou no Rio de Janeiro as gravações da produção, que reúne roteiro de Maíra Oliveira, produção de Clélia Bessa, Move Maria, Raccord Produções e Buda Filmes, com coprodução da Globo Filmes.

A construção de um filme histórico

“É um projeto de 11 anos”, conta Maria Gal, que interpreta Carolina e também detém os direitos de adaptação da obra. Para ela, filmar em pleno mês da Consciência Negra reforça o simbolismo da produção:
 “Estamos fazendo o filme que a Carolina merece.”

Gal destaca que nunca aceitou que a vida da escritora não estivesse registrada no cinema nacional.
 “Enquanto cidadã, mais do que atriz, me vi na obrigação de fazer essa história acontecer.”

O diretor Jeferson De, que já levou personagens inspiradas na autora ao cinema, celebra o reencontro artístico. Ambos, Gal e Jeferson, ressaltam o significado de terem pessoas negras conduzindo a narrativa de uma das maiores escritoras do país.

Carolina além do diário: ancestralidade, política e urgência

Para Gal, interpretar Carolina é também interpretar milhares de histórias apagadas:
 “Quantas Carolinas existem nesse país?”

A atriz lembra que a autora escrevia sobre temas urgentes já na década de 1950, fome, desigualdade, racismo, exclusão, assuntos que ainda marcam o Brasil atual. Carolina, mulher negra, retinta, mãe solo e com apenas dois anos de educação formal, tinha paixão pela escrita e por música clássica, e encontrava beleza mesmo em meio à dureza da vida.

“Aprendi, com a Erika Hilton, a acordar e pegar ‘Quarto de Despejo’. Vejo Carolina quando vejo alguém passando fome, quando olho para a política, quando percebo a ausência de protagonismo negro, e também quando vejo poesia”, afirma Gal.

Quem conhece Carolina?

Carolina Maria de Jesus autografando o livro 'Qaurto de Desejo'. (Foto: Divulgação/Arquivo Nacional do Brasil)

Apesar do impacto literário, Carolina é menos conhecida do que deveria. Maria Gal conta que começava reuniões perguntando: “Você conhece Clarice Lispector?”, quase todos conheciam. Mas, ao perguntar sobre Carolina, a resposta geralmente era não.

“Isso mostra o quanto Carolina ainda precisa ser reconhecida como a grande heroína que é”, diz.

Curiosamente, Clarice e Carolina se encontraram em uma sessão de autógrafos. Carolina elogiou a elegância da escrita da colega, que respondeu: “E você escreve a realidade.” A troca resume o impacto singular da autora do Canindé.

“Cadê esse protagonismo?”

Em meio às gravações, Maria Gal faz um questionamento que ecoa no país:
 “Vivemos em um Brasil com 56% da população negra, 28% mulheres negras. Cadê esse protagonismo?”

Para a atriz, dar rosto, voz e espaço à Carolina é também reivindicar o lugar de mulheres negras em todos os setores, da literatura ao audiovisual, da política às grandes empresas.

Cinquenta anos após sua morte, Carolina segue sendo revisitada, mas muitas vezes por meio de imagens limitadas. O retrato mais difundido é o da mulher com roupa puída e lenço branco, símbolo de sua vida pobre. Embora verdadeiro, esse recorte não revela toda a complexidade da escritora.

Fotos em que ela aparece elegante, bem vestida, em eventos e viagens são frequentemente deixadas de lado, reforçando um estereótipo de miséria e apagando sua presença sofisticada no circuito literário.

“O lenço tem um simbolismo grande na vida dela. No filme fazemos uma provocação sobre isso”, explica Gal.

Por isso, em cena, em vez do lenço gasto, a atriz usa um modelo de seda vibrante, símbolo de dignidade, identidade e afirmação estética. “Ela gostava do lenço, mas queremos mostrar o que foi apagado também”, conclui.

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