Encontrar uma fotografia da infância com os pais, aos 35 anos, fez com que a escritora Laura Ferrero questionasse tudo o que sabia sobre o próprio núcleo familiar. Foi a partir desse contexto emocionalmente nebuloso que a autora transformou incertezas em inspiração para o livro Os Astronautas.
Nesta obra, que chega ao Brasil pela editora Tordesilhas, do Grupo Editorial Alta Books, a espanhola apresenta uma autoficção que entrelaça lembranças que oscilam entre lampejos de verdade e invenção. Um romance que utiliza metáforas ligadas à exploração espacial para refletir sobre a distância emocional entre pais e filhos, além da sensação de estar deslocado no próprio mundo.
A história é narrada pela protagonista, uma mulher na casa dos 30 anos, que revisita a infância e a juventude marcadas por ausências, traumas e memórias fragmentadas. Ao longo da vida, ela utiliza diferentes nomes - o de nascimento (não mencionado), Kuki e Amanda (aquela que será amada) - refletindo a busca por identidade e pertencimento. Na trama, a personagem observa com anseio a relação do pai com a irmã mais nova, parte da “outra família” construída por ele.
Os dois são parecidos: calados, aparentemente ausentes;
mas há um vínculo que sinto ter a ver com o fato de terem vivido juntos,
de lerem os pensamentos um do outro, de conhecerem a marca de queijo favorita do outro,
assim como a forma com que dobram as camisas antes de guardá-las
na gaveta ou o programa de rádio que ouvem ao se levantar.
(Os Astronautas)
O título da obra remete à necessidade da narradora de criar universos paralelos para suportar o abandono, mas também à fantasia inventada ainda na infância de que o pai era um astronauta. Segundo contava aos colegas, ele vivia em Houston e a visitava apenas duas vezes por mês, justificando a ausência nas festividades escolares.
A divisão e a denominação escolhida por Laura Ferrero para cada um dos três capítulos também têm um significado próprio. “Ultima Thule” faz referência ao objeto celeste mais distante já explorado pela humanidade e simboliza o limite do conhecido, ecoando a busca da protagonista por compreender a própria história familiar; “Solus Rex”, termo do xadrez que designa um rei isolado e sem utilidade, reflete a sensação de poder vazio; Já “I'm still alive” remete ao trabalho do artista japonês On Kawara, sublinha a sobrevivência e a necessidade de validação da própria existência diante de um passado confuso e de relações complexas.
Romance contemporâneo comovente
Os Astronautas é um romance contemporâneo comovente, que abre a janela para o passado, bem como para os fracassos, silêncios e segredos sobre os quais a identidade da autora foi construída. Uma leitura indicada não apenas para aqueles que se identificam com a experiência da escritora espanhola, mas também para todos que buscam, na literatura, refletir sobre memórias, família e os vínculos capazes de moldar uma existência.
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