Sentença

Brasil é condenado pela Corte Interamericana por violações aos direitos de quilombolas em Alcântara

Após a decisão, a corte ordenou que o Estado Brasileiro conclua as ações adequadas para garantir o direito à propriedade coletiva de todas as comunidades.

Imirante.com, com informações do G1-MA

O julgamento do caso foi realizado em abril de 2023, entretanto, a sentença foi divulgada nesta quinta-feira (13).
O julgamento do caso foi realizado em abril de 2023, entretanto, a sentença foi divulgada nesta quinta-feira (13). (Foto: divulgação / CONAQ)

BRASIL - O Brasil foi condenado, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), por violar direitos humanos de 171 comunidades quilombolas que vivem no município de Alcântara, no Maranhão, durante o período de construção e implementação dos projetos da Base de Lançamento de Foguetes (CLA), na década de 1980.

O julgamento do caso foi realizado em abril de 2023, entretanto, a sentença foi divulgada nesta quinta-feira (13), pela corte que conta com membros da Costa Rica, Colômbia, México, Uruguai, Argentina e Chile.

No documento, a corte concluiu que o Estado Brasileiro violou os seguintes direitos das comunidades quilombolas:

  • Direitos à propriedade coletiva e circulação de residência;
  • Descumpriu sua obrigação de delimitar, demarcar, titular e sanear o território quilombola;
  • Não concedeu títulos individuais de propriedade em vez de reconhecer a propriedade coletiva;
  • Descumpriu o seu dever de garantir o pleno uso e aproveitamento território, tais como o exercício das comunidades em sua atividade econômica e de alimentação;
  • O Estado não cumpriu suas obrigações ao não realizar uma consulta prévia, informando as comunidades, sobre medidas que pudessem afetá-las com a implementação do CLA.

Segundo a corte, a falta de resposta judicial sobre as reinvindicações dos quilombolas gerou sentimentos de injustiça, impotência e insegurança, afetando a vida coletiva e impedindo acessos à saúde, educação e a meios de subsistência.

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Além disso, o reassentamento das comunidades para as agrovilas (conjuntos habitacionais construídos por conta da implementação do Centro de Lançamento de Alcântara), a partir de dezembro de 1998, prejudicaram o acesso aos recursos naturais por parte das comunidades tradicionais, causando impactos socioeconômicos.

Após a decisão, a corte ordenou que o Estado Brasileiro conclua as ações adequadas para garantir o direito à propriedade coletiva de todas as comunidades, com a oferta de um título coletivo que reconheça os 78.105 hectares do território quilombola com a delimitação adequada.

O Estado também deve estabelecer um diálogo permanente de comum acordo com as comunidades realizando consultas prévias e, ainda, realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional sobre o caso.

Brasil reconheceu culpa

Quando o caso foi levado para julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos, em abril de 2023, no Chile, o Brasil pediu desculpas aos quilombolas e reconheceu que o Estado violou os direitos à propriedade e proteção judicial das comunidades de Alcântara.

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A declaração foi dada pelo advogado-geral da União, ministro Jorge Messias. O ministro atribuiu ao fato do Brasil não ter finalizado o processo de demarcação do território quilombola de Alcântara e pela demora das instâncias judiciais e administrativas para permitir que as famílias pudessem fazer uso das terras demarcadas.

"O Brasil gostaria de aproveitar para reconhecer formalmente, em caráter oficial, a violação dos direitos à propriedade e a proteção judicial. O processo [de reconhecimento das terras] tardou demais e até hoje não foi finalizado. Por isso, solicitamos que o tribunal reconheça a culpa", disse o ministro.

Assinatura de termo

Em novembro de 2024, em visita à Alcântara, o presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) assinou um Termo de Conciliação, Compromissos e Reconhecimentos Recíprocos que pretendeu dar fim a 40 anos de conflitos entre as comunidades quilombolas e a Força Aérea Brasileira (FAB).

O documento reconheceu que o Território Quilombola de Alcântara conta com 78,1 mil hectares e delimita a área do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), com 12.600 hectares.

Além disso, o Governo Federal, na época, se comprometeu a dar o título de propriedade da área aos quilombolas e, ao mesmo tempo, validou a área pertencente ao Programa Espacial Brasileiro (PEA), para evitar conflitos sobre a posse das terras no futuro.

Sobre o conflito

Município com 22 mil habitantes, Alcântara fica numa península com localização privilegiada para o lançamento de foguetes e satélites. Próximo à linha do Equador, o centro - inaugurado pela Força Aérea Brasileira (FAB) em 1983 - possibilita uma economia de até 30% no combustível usado nos lançamentos.

A construção da Base de Lançamento de Foguetes, na década de 80, levou um território de 52 mil hectares a ser declarado como de “utilidade pública”, segundo a CIDH, e as disputas territoriais duraram mais de 40 anos na região.

O impasse levou o caso para ser julgado na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em abril de 2023. Na época, representantes das comunidades quilombolas e autoridades brasileiras participaram do julgamento que contou com fortes depoimentos dos afetados pela implementação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA).

Apesar dos avanços em tratativas sobre o caso, na época, representantes das comunidades quilombolas ainda não comemoraram o resultado. Danilo Serejo, cientista político e líder comunitário na Comunidade Quilombola de Canelatiua, disse que é preciso ter cautela nas comemorações imediatas, uma vez que em apenas um ano o governo deve efetivar a titulação do acordo.

"A Portaria de Reconhecimento assinada hoje é um marco muito bom nisso, porque reforça a posse das comunidades, mas por si só também não oferece a segurança jurídica necessária, porque não possui força de título de propriedade. Quanto aos compromissos dos militares de não expandir a Base sobre o território das comunidades, é importante dizer que essa não é a primeira vez que eles assumem esse compromisso", disse o ativista.

Segundo o quilombola, em 2008 foram firmados outros acordos judiciais que nunca foram cumpridos, o que o impede de "comemorar nada ainda".

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