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Superendividamento: saiba quando e quem e a quem pedir ajuda

As repercussões negativas do superendividamento sobrepõem em larga escala o aspecto jurídico e financeiro.

*Matheus Levy e Pedro Henrique Sá Vale Serra Alves

Atualizada em 06/03/2024 às 11h47

De acordo com os resultados da pesquisa de Intenção de Consumo das Famílias (ICF), divulgados pela Confederação Nacional de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o potencial das vendas de comércio e serviços alcançou, no mês de fevereiro de 2024, resultados superiores a todo o ano de 2023.


Apesar desses dados demonstrarem a consolidação da retomada do mercado de consumo no período pós pandemia, a ideia de estabilização da economia do nosso país ainda continua sendo uma realidade distante. Isto porque, nesse mesmo período, o CNC também apurou que 77,9% das famílias brasileiras estão endividadas e que apenas 11,9% dessa amostragem possui, de fato, condições financeiras de quitar as contas em atraso.


Se a existência de dívidas já torna a vida dos consumidores significativamente mais difícil, levando em consideração as anotações nos cadastros de inadimplência e os obstáculos de acesso ao crédito e ao mercado de consumo em geral, o quadro se torna ainda mais preocupante a partir da perspectiva do superendividamento, que é a impossibilidade manifesta do consumidor arcar com as suas dívidas sem o prejuízo do seu mínimo existencial, ou seja, sem comprometer o sustento próprio e de sua família.


As repercussões negativas do superendividamento sobrepõem em larga escala o aspecto jurídico e financeiro, já que muitas vezes, diante desse cenário, o consumidor também se vê completamente excluído dos círculos sociais.


Ao contrário do que o senso comum sugere, o superendividamento não é necessariamente um problema causado pela má gestão das finanças e pelo consumo desenfreado. Basta relembrar situações involuntárias que acontecem na vida da maioria dos brasileiros, como a perda repentina de um emprego, fonte de renda ou a contração de uma doença que requeira maiores cuidados. 


Outro ponto dessa equação que comumente é negligenciado, são os abusos cometidos pelas instituições financeiras, fornecedores de produtos e prestadores de serviços em geral, como a falta de clareza e informação nas ofertas e contratos, cobrança de juros excessivamente elevados, tarifas ilegais e até mesmo o assédio e indução ao consumo.


No campo legislativo, essa pauta tem sido alvo de intensas discussões nos últimos anos, resultando em políticas públicas como o Programa Emergencial de Renegociação de Dívidas de Pessoas Físicas Inadimplentes – Desenrola Brasil, que além de estabelecer um conjunto de medidas voltadas à educação financeira e à prevenção do superendividamento, também prevê subsídios para renegociação de dívidas.

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No entanto, uma alternativa vantajosa ainda pouco explorada pelos consumidores em estado de superendividamento são as garantias trazidas pela Lei 14.181/2021 (Lei do Superendividamento), que recentemente alterou o Código de Defesa do Consumidor e estabeleceu medidas efetivas para a prevenção e tratamento do superendividamento.


Dentre essas novas medidas, a legislação prevê um procedimento de conciliação em que o consumidor superendividado pode recorrer ao Poder Judiciário para apresentar e discutir uma proposta de repactuação e pagamento das suas dívidas de consumo pelo prazo de até 5 anos, elaborada de acordo com a sua realidade financeira específica, de modo a preservar o seu sustento e o de sua família.


Caso haja discordância de um ou mais credores em relação ao plano de pagamento apresentado e seja a vontade do consumidor, o juiz poderá instaurar um processo de repactuação e revisão das dívidas, sujeitando todos os credores à aceitação compulsória de um plano elaborado judicialmente, com garantias que vão desde a preservação do mínimo existencial, suspensão da dívida pelo prazo de 180 dias, até o parcelamento pelo prazo máximo de 5 anos.


Em termos práticos, o procedimento também visa reequilibrar as relações contratuais, retirando o monopólio de repactuação de dívidas do credor, que em muitas oportunidades, utiliza-se do estado de inadimplência e vulnerabilidade do consumidor superendividado para aumentar de forma abusiva e desproporcional o valor da dívida e dos encargos incidentes.


No entanto, é importante ressaltar que a elaboração do plano de pagamento e revisão dos contratos possui complexidade técnica e jurídica significativa, de modo que, para se valer das medidas estabelecidas pela Lei do Superendividamento e ter os seus interesses assegurados da melhor forma possível, é indispensável que o consumidor busque sempre a orientação e suporte de um advogado ou da Defensoria Pública.

*Matheus Levy – Advogado Sócio do Sá Vale Advogados. Professor. Especialista em Direito Processual pela PUC Minas. Membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/MA.

*Pedro Henrique Sá Vale Serra Alves – Advogado Sócio do Sá Vale Advogados. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade CEUMA.


 

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