Conheça a maranhense que se tornou advogada após superar o alcoolismo e viver nas ruas de SL
Atualmente, Joenilde Teles, mais conhecida como Josy, é ativista social e trabalha em prol das pessoas em situação de vulnerabilidade social.
SÃO LUÍS - Há 10 anos a maranhense Josenilde Teles de Moura, aos 54 anos de idade, mais conhecida como Josy Moura, viu seu sonho se concretizar: tornou-se advogada especializada em direito criminal, dedicando-se à defesa das minorias e à promoção da justiça social.
Aqueles que a observam em suas redes sociais ou a veem em ação nos tribunais do estado do Rio de Janeiro dificilmente imaginariam que, há 27 anos, Josy Moura enfrentava a dura realidade do alcoolismo, lutando para sobreviver nas ruas de São Luís.
Alcoólatra e moradora de rua
Josy nasceu no bairro da Vila Palmeira, em São Luís, onde viveu até os 27 anos com a mãe, que a criou sozinha com mais três filhos. Quando tinha em torno de 20 anos de idade e com dois filhos para criar, Josy se envolveu com o álcool e se tornou dependente dele. Em cinco anos, a vida dela desmoronou e Josy foi parar na rua por conta do vício.
“Eu comecei a beber com 20 anos, mais ou menos, aí com 25 anos eu já estava detonada, eu já dormia na rua. Nessa época eu tinha dois filhos, tive um filho com 18 e o outro com 19 anos. Então eu desaparecia, não tomava mais conta deles, porque o alcoolismo ele é uma doença progressiva, você não começa bebendo uma garrafa de cachaça, você começa bebendo cerveja. E chegou o momento que o meu alcoolismo progrediu com tanta rapidez que eu simplesmente me entreguei. Era deprimente, eu bebia e acordava com pessoas que eu não conhecia, em lugares que eu não conhecia”, relata Josy.
Com o uso intenso de álcool, Josy acabou com o namoro que tinha com um advogado, largou os filhos, Paulo e Marcos, pequenos com a mãe dela e foi parar nas ruas.
“Eu saí de casa, vivia nas ruas, caía nas calçadas, às vezes não trocava nem absorvente, ficava toda suja. Eu fedia e as pessoas dizia assim: ‘sai daqui que você está fedendo, toma só tua dose de cachaça e sai fora’. Assim era a minha situação, era degradante, era muito difícil conviver comigo aqui”, relembra.
Após sofrer cinco anos com o vício, Josy foi convidada pela irmã dela para morar no Rio de Janeiro, onde essa irmã já residia. O objetivo era afastar a jovem das ‘más companhias’ que a ‘faziam beber’. Porém, ao chegar no Rio, Josy continuou bebendo e acabou sendo expulsa da casa da irmã e foi parar, novamente, nas ruas.
Nessa época Josy tinha 28 anos de idade e apenas o ensino fundamental. Ao perceber que sua vida estava degradada, a maranhense decidiu entrar no Alcoólicos Anônimos (AA), foi quando teve início a sua mudança de vida.
“Eu fiz a fuga geográfica, saí daqui (do Maranhão), mas a doença foi comigo e fui morar com a minha irmã. Obviamente que a minha irmã não conseguiu lidar com o meu comportamento alcoólatra, ela achava que era fácil me libertar, mas não era. Eu saía, bebi escondido, enfim, não deu certo. Eu saí da casa da minha irmã, ela me expulsou, e eu fui morar na rua na rua, foi quando eu ingressei no AA, lá que eu conheci o ar e comecei a fazer a programação, isso em 1998”, conta a maranhense.
Trabalho e faculdade
Após entrar no AA, a maranhense começou a seguir os passos da recuperação e, no grupo, conheceu uma pessoa que a resgatou da rua e a levou para morar com ela. Foi nesse período que Josy começou a fazer o ensino médio, concluindo essa fase dos estudos no ano de 2000.
Depois Josy conseguiu um emprego como garçonete em um restaurante que ficava em frente ao Fórum da cidade do Rio de Janeiro. E foi vendo as mulheres advogadas saindo e entrando no Fórum que fez nascer no coração de Josy o desejo de ser como aquelas mulheres: forte, elegante e defensora dos direitos dos cidadãos.
O sonho da maranhense em ser advogada se tornou tão grande e intenso, que ela dizia para todo mundo que queria ser uma advogada criminalista, mas zombavam dela.
“Eu dizia para as garçonetes, minhas amigas, que um dia eu ia ser advogada, aí elas riam porque eu morava numa vaga. A vaga é assim, você aluga um local pra dormir, em um apartamento onde tem uma caminha que você dorme, era assim que eu morava. Então elas diziam: ‘Você vai ser advogada?’. Eu só respondia, ‘eu não sei como, só sei que eu vou ser advogada'. Aí eu disse uma vez pra uma amiga minha, ‘um dia você vai me ver entrando aqui, nesse restaurante, com uma advogada’".
Depois de quatro anos como garçonete, Josy cruzou caminhos com um coronel maranhense que a encaminhou para uma posição em um escritório de advocacia. Lá, ela teve a oportunidade de conhecer um general que lhe concedeu uma bolsa de estudos para cursar Direito em uma faculdade. Foi nesse momento que Josy se viu desafiada a conciliar trabalho, estudos e ainda dedicar atenção aos dois filhos que foram morar com ela no Rio de Janeiro.
“Nesse tempo os meus filhos vieram morar comigo, em 2004. A gente morava no quartinho, eles trabalhavam, eu trabalhava e ia para a faculdade e quando eu chegava à noite, ainda ia fazer doce. Eu só dormia três horas por dia durante três anos. Quando eu saía do serviço, no fim do dia, ia pra faculdade andando por cerca de 40 minutos, porque eu não tinha o dinheiro da passagem”, relata.
No sexto período da faculdade, Josy perdeu os estágios e não teve mais condições financeiras de manter os filhos no Rio de Janeiro, pois todos estavam desempregados. Os jovens voltaram para o Maranhão, para ficarem com a avó, e Josy doou os bens que tinha e voltou a dormir em uma vaga.
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Mas, apesar de todas as dificuldades, ela conta que não queria desistir do sonho de ser advogada. Enquanto lutava pelo seu objetivo, um dos filhos de Josy se envolveu com drogas em São Luís e acabou sendo alvo de tentativas de homicídio por parte de traficantes.
Enquanto isso, no Rio Josy tentava terminar a faculdade contanto com a ajuda de amigos que, por seis meses, pagaram os 30% da bolsa, no valor de R$ 145.
“Nós éramos seis amigos que ficavam juntos. Eles me ajudavam, levavam comida pra mim, porque às vezes eu ficava o dia todo na faculdade e como eu não tinha dinheiro, eles levavam uma quentinha, eles tiravam cópia de livro pra mim, pagavam as provas. Então os meus amigos foram verdadeiros anjos na minha vida. Eu costumo dizer que o Rio de Janeiro me abraçou e eu acho que a minha vontade de ser advogada era tão grande que as pessoas sentiam e me ajudavam”, ressalta.
Durante esse processo, Josy conheceu Eron Moura, com quem se casou e passou a viver melhor, ao ponto de levar os filhos de volta para o Rio. O que estava envolvido com as drogas, Paulo Roberto Teles, conseguiu dar a volta por cima e hoje ele, também, é advogado e trabalha junto com a mãe.
O outro filho de Josy, Marcos Paulo Teles Carvalho, também conseguiu vencer na vida e hoje é cozinheiro.
Já perto de terminar a faculdade, Josy montou um escritório de advocacia, no qual trabalhava com dois colegas advogados. Josy conseguia os clientes para os colegas, que depois dividiam os honorários com ela. Ao fim do curso, Josy fez o exame da OAB 10 vezes até que conseguiu passar.
“Eu fiz o exame da Ordem dez vezes, pra você ver como eu sou resiliente. Eu ficava reprovada por meio ponto, até por um décimo eu já fiquei. Quando me perguntavam o que eu ia fazer depois de reprovar no exame, eu dizia que iria fazer a próxima prova, porque Deus não tinha me dado uma faculdade pra não me dar uma carteira. Deus não faz nada pela metade, ele me deu uma faculdade, me deu até escritório, como é que ele não vai me dar a carteira? Então eu fiz a prova até passar”, comemora.
Vencendo o preconceito
Durante o processo de alcançar seus objetivos de vida, Josy conta que foi alvo de muito preconceito, assim como a sua mãe Raimunda Teles também foi, por ser mulher que criou os filhos sozinha, por ser negra e trabalhar em casa de família, em uma época em que as negras trabalhavam em casa de branco e eram humilhadas.
“Então, eu senti isso na pele e também sofri muito preconceito, muito racismo. Porque nós, mulheres negras, passamos por muitas coisas e é muito dolorido o racismo, dói na minha alma. Eu costumo falar que eu tinha contra mim muitas coisas que a sociedade vê como negativa: mulher negra, nordestina e alcoólatra, eu tinha todos os ingredientes pra dar errado, então eu tive que fazer esse movimento contrário, mostrar que não é assim. Tive que ter muita força, muita resiliência, muita determinação pra chegar onde eu cheguei. Hoje eu sou uma advogada muito conhecida no Rio de Janeiro. As pessoas dizem que eu sou muito abusada, mas quem já foi tão massacrada e hoje tem voz, tem que falar, tem que se impor”, defende.
Após tantas lutas para vencer o preconceito e as adversidades da vida, Josy hoje é conhecida como doutora Josy Moura, a doutora coragem. Ela atua há 10 anos como advogada criminalista, defendendo pessoas negras, pobres, mulheres em vulnerabilidade, crianças autistas, pessoas da comunidade LGBTQIAP+, entre outros que precisam de alguém que os defenda.
“Hoje eu trabalho como ativista social. Trabalho com autistas, porque eu tenho dois netos autistas. Trabalho contra a intolerância religiosa, contra o racismo, porque eu senti na pele. Eu atuo muito na defesa de negros porque, na maioria das vezes, estão presos pelo simples fato de serem negros. O que eu observo é que o sistema prisional tá muito cheio de negros, de pessoas que não têm nenhuma condição financeira. Também defendo mulheres vítimas de violência doméstica e dou palestras sobre a Lei Maria da Penha”, destaca.
Além disso, a doutora Josy decidiu fazer a faculdade de Psicologia, para poder ajudar mulheres que sofrem com a dependência emocional a se libertarem dos relacionamentos abusivos, que, em muitos casos, pode chegar ao feminicídio.
Outro orgulho de Josy Moura é o fato de ser maranhense. Apesar de morar há 27 anos no Rio de Janeiro e amar o estado que lhe acolheu, Josy Moura afirma que ama o Maranhão e tem orgulho de suas origens, de ter nascido no bairro da Vila Palmeira, considerado periférico.
“Eu continuo maranhense, continuo falando como maranhense. Sempre digo onde estiver que sou do Maranhão, gosto muito de dizer de onde eu vim, eu gosto da minha história, gosto de falar que as pessoas, elas são capazes sim, basta você acreditar”.
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