COLUNA
Curtas e Grossas
José Ewerton Neto é poeta, escritor e membro da Academia Maranhense de letras.
Curtas e Grossas

Ser, ao invés de estar. Eis a questão

“Ufa! Pelo menos em relação a onde estamos parece que ficamos resolvidos. Já, quanto a quem somos...”

José Ewerton Neto

 

Perdido sem saber onde está? Não se preocupe com isso, caro leitor, a tecnologia está colocando cada vez mais à nossa disposição, instrumentos capazes de nos localizar, onde quer que estejamos. Uma antena ali, um satélite acolá, um celular em suas mãos, e pronto. Geograficamente, estamos achados, definidos, realizados. Ufa! Pelo menos em relação a onde estamos parece que ficamos resolvidos. Já, quanto a quem somos...

Bons tempos aqueles em que um nome nos servia e em que, na falta deste, um apelidozinho nos quebrava o galho. No século XXI e em pleno apogeu do nosso avanço tecnológico, para saber quem somos precisamos não só de um nome, mas, além disso, de senhas, muitas senhas. 

“Estar é fácil, ser é que é difícil” aprendi a filosofar, num belo dia em que resolvi fazer uma inscrição pela internet para participar de um edital do Governo. Precisei de identidade, CPF, nome do pai, nome da mãe, CEP, palavra-chave e frase de referência. Já estava na vigésima senha quando me pediram o nome. No auge da minha ansiedade sonhei em como seria bom se houvesse, definitivamente, uma única senha, para guardar todo o restante. Logo percebi que estava delirando, tudo se confundia, eu dava voltas, muitas voltas sem conseguir chegar a lugar algum. Meu Deus, e agora? Eles pediam meu nome e eu havia esquecido! 

De incerteza em incerteza, perseguido por números e senhas, dia virá em que seremos acusados de assaltarmos nossas próprias senhas. Seremos julgados e condenados como ladrões de senhas, hackers de nós mesmos. O suicídio surgirá como a única solução, já que, certos ainda estaremos de que, pelo menos Deus, no paraíso, saberá quem somos.

Doce ilusão! A tecnologia terá chegado por lá também e São Pedro – imaginando que seja São Pedro aquele sujeito de terno e gravata, em frente a um notebook – exigirá:

“Digite a senha”

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“Como? Senha de quê? ”

“Para entrar no céu, precisa de senha. Admira-me que não saiba. Deus não lhe enviou uma senha pro seu WhatsApp pouco antes de morrer? ”

“Nem celular tenho. Mas lembro de que sei rezar o Padre Nosso, de cor e salteado. Será que não serviria de senha? ”

“Sinto muito, senhor, mas sem senha, o inferno é a serventia da casa! Tente lá. É o único lugar do mundo onde ainda dispensam senhas.”



 

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