COLUNA
Rogério Moreira Lima
Engenheiro e professor, foi coordenador Nacional da CCEEE/CONFEA e vice-presidente CREA-MA (2022). É membro da Academia Maranhense de Ciência e diretor de Inovação na Associação Brasileira de
Rogério Moreira Lima

Da ARPANET à Internet Quântica: desafios e perspectivas para o Brasil

Em 1983, com a adoção oficial do TCP/IP, a ARPANET passou a se expandir, dando origem ao que conhecemos hoje como internet.

Rogério Moreira Lima

A internet nasceu de um projeto financiado pela ARPA (Advanced Research Projects Agency), hoje chamada DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency). A ARPA foi criada em 1958, no contexto da Guerra Fria e da corrida espacial, com o objetivo de desenvolver tecnologias capazes de manter a liderança dos Estados Unidos da América. Já na década de 1960, a agência investiu na criação de um sistema de comunicações resiliente a falhas, a ARPANET, que tinha como finalidade permitir que universidades e laboratórios militares compartilhassem dados e recursos de computadores, que à época eram raros e extremamente caros.

Em 1983, com a adoção oficial do TCP/IP, a ARPANET passou a se expandir, dando origem ao que conhecemos hoje como internet. Diferente do modelo OSI, composto por sete camadas, o modelo TCP/IP organiza-se em quatro camadas principais: Enlace, Rede, Transporte e Aplicação. A camada de enlace é responsável pelo envio dos datagramas construídos pela camada de rede, realizando também o mapeamento entre o endereço de identificação do nível de rede e o endereço físico ou lógico correspondente.

A camada de rede garante a comunicação entre máquinas através do protocolo IP, atribuindo a cada dispositivo um identificador denominado endereço IP, que é independente dos mecanismos de endereçamento presentes nos níveis inferiores, sendo necessário realizar o mapeamento para permitir a conversão entre eles.

A camada de transporte reúne os protocolos que asseguram a comunicação fim a fim, considerando apenas a origem e o destino, sem se preocupar com os elementos intermediários. Dois protocolos se destacam: o UDP (User Datagram Protocol), que realiza apenas a multiplexação para que diversas aplicações utilizem o sistema de forma coerente; e o TCP (Transmission Control Protocol), que além da multiplexação implementa mecanismos de controle de fluxo, correção de erros, sequenciação e confiabilidade na transmissão.

Por fim, a camada de aplicação agrupa os protocolos que fornecem serviços de comunicação tanto para o sistema quanto para o usuário, que podem ser classificados em serviços básicos, como o DNS (Domain Name System), ou em serviços voltados ao usuário, como HTTP, SMTP, FTP, entre outros. Além dessa estrutura, é importante destacar o papel das RFCs (Request for Comments), documentos criados em 1969 para registrar especificações técnicas e padrões da rede. A primeira delas, a RFC 1, foi publicada por Steve Crocker no contexto da ARPANET.

Desde então, as RFCs se tornaram a principal forma de normatizar a evolução da internet, sendo geridas pela IETF (Internet Engineering Task Force). Protocolos fundamentais do TCP/IP foram definidos em RFCs clássicas, como a RFC 791 (IP) e a RFC 793 (TCP), ambas de 1981. Essas publicações representam a “constituição técnica” da internet, garantindo interoperabilidade e continuidade em sua evolução até os dias atuais.

Agora, entramos na era da comunicação quântica, em que se delineia o próximo salto: a chegada da Internet Quântica. Nessa nova rede, em vez de bits, serão transmitidos qubits, codificados em fótons. Esses fótons carregarão dados quânticos e permitirão comunicações ultra-seguras e a interconexão de computadores quânticos distantes, criando uma rede distribuída de enorme poder computacional. Para tornar tal rede possível, são necessários os chamados nós de rede quântica, elementos capazes de armazenar informação quântica e compartilhá-la por meio de partículas de luz.

Em seu trabalho mais recente, a equipe de Innsbruck, liderada por Ben Lanyon, demonstrou um desses nós utilizando uma cadeia de dez íons de cálcio em um protótipo de computador quântico. Ajustando cuidadosamente os campos elétricos, os íons foram movidos, um a um, para dentro de uma cavidade óptica. Ali, um pulso de laser precisamente calibrado desencadeou a emissão de um fóton cuja polarização estava emaranhada com o estado do íon. Esse processo criou um fluxo de fótons, cada um vinculado a um qubit-iônico diferente no registrador.

No futuro, esses fótons poderão viajar até nós distantes e serem usados para estabelecer emaranhamento entre dispositivos quânticos separados. Assim como o TCP/IP representou a base da internet clássica, hoje experimentos como esse abrem caminho para os protocolos que irão sustentar a internet quântica do futuro.

A questão que se impõe é: como o Brasil vai se inserir nesse novo mundo? A engenharia, mais do que nunca, depende de uma forte base em ciências exatas, especialmente em matemática e física. No entanto, os indicadores mostram fragilidade: em 2023, o país alcançou média de apenas 379 pontos em Matemática no PISA, ficando 93 pontos abaixo da média da OCDE (472), ocupando a 65ª posição entre 81 nações avaliadas.

Dos 100 estudantes que ingressam em cursos de engenharia, apenas 35 concluem a graduação, e somente 15 registram-se no CREA, o que significa que apenas esses últimos estão legalmente habilitados para exercer a profissão, já que se trata de uma atividade regulamentada.

Os leigos, quando falamos de matemática, lembram apenas do ensino médio, do estudo de funções e geometria. Mas isso, para o engenheiro, é apenas o passo inicial, a base para continuar os estudos. Nos dois primeiros anos de um curso de engenharia, o estudante enfrenta disciplinas como cálculo diferencial e integral, equações diferenciais, variáveis complexas, transformadas integrais, probabilidade e estatística, cálculo vetorial, álgebra linear, mecânica, gravitação, ondas, termodinâmica, eletromagnetismo, óptica e física moderna, além de mecânica dos sólidos, fenômenos de transporte, química, algoritmos e programação. É com essa formação inicial que o engenheiro constrói a base necessária para avançar em estudos mais complexos e específicos das diversas áreas da engenharia. No caso da engenharia de telecomunicações, por exemplo, essa formação sólida servirá agora para enfrentar um novo desafio: o estudo das comunicações quânticas.

As comunicações quânticas dependem de uma sólida base em transmissão digital, modulação e codificação, antenas e fibras ópticas, mas exigem também o domínio da física quântica. E compreender a física quântica significa ter domínio de matemática avançada. Sua principal equação, a equação de Schrödinger, é uma equação diferencial parcial que descreve a evolução temporal dos sistemas quânticos. Para tratá-la, é necessário trabalhar com cálculo diferencial e integral, equações diferenciais ordinárias e parciais, análise de variáveis complexas e transformadas integrais (como Fourier e Laplace). A álgebra linear é indispensável, pois a mecânica quântica utiliza vetores de estado em espaços de Hilbert e operadores lineares para descrever observáveis físicos. A probabilidade e a estatística são igualmente fundamentais, já que os resultados das medidas em sistemas quânticos são sempre probabilísticos. Sem esse alicerce matemático, não é possível compreender fenômenos essenciais como superposição, emaranhamento e tunelamento quântico, que são justamente os pilares das comunicações quânticas.

Parece que o Brasil surpreende, mesmo com todas as condições adversas. O CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas) se destaca nesse cenário com a implantação de seu novo laboratório, equipado com um Refrigerador de Diluição, que mantém dispositivos a temperaturas próximas do zero absoluto, e uma Evaporadora, para a fabricação de chips quânticos e dispositivos supercondutores. Além disso, o CBPF integra a Rede Rio de Comunicação Quântica e desenvolve sensoriamento quântico à base de cristais de diamante, consolidando uma infraestrutura crucial para o avanço nacional. Foram investidos 30 milhões de reais na implementação do laboratório, com recursos da Finep, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) via Faperj, da Fapesp, do CNPq e da Petrobras.

João Paulo Sinnecker, pesquisador do CBPF, destacou o impacto do projeto: “Esse laboratório será um marco para a ciência brasileira. Ele nos permitirá fabricar, caracterizar e explorar aplicações práticas para dispositivos quânticos, como os chips baseados em junções Josephson. Além disso, ele integrará sistemas de óptica quântica e comunicação quântica”. Já Ivan S. Oliveira, também pesquisador do CBPF e um dos idealizadores do novo laboratório, acrescenta: “Temos uma comunidade muito produtiva em artigos, teses e trabalhos acadêmicos, mas a produção de tecnologias e inovação com valor agregado ainda é essencialmente zero. É essa etapa que precisamos superar. Espero que o destaque dado à quântica em 2025 incentive a academia e financiadores a se voltarem para projetos tecnológicos na área”.

Com o novo laboratório, o CBPF posiciona o Brasil na corrida global pela inovação quântica. O instituto não apenas impulsionará avanços científicos, mas também focará na formação de profissionais capacitados e no fortalecimento de colaborações internacionais, ampliando o papel do país no cenário tecnológico mundial. Além do CBPF, destacam-se também grupos da UFMG, USP, Unicamp e UFPE, que já desenvolvem pesquisas aplicadas em física e tecnologia quântica. No Rio de Janeiro, a Rede Rio Quântica, coordenada pelo professor Antonio Zelaquett (UFF), reúne a própria UFF, o CBPF, o IME, a PUC-Rio e a UFRJ, implementando protocolos de comunicação quântica em uma rede que combina enlaces ópticos e conexões via espaço aéreo, servindo como plataforma de testes aberta à comunidade científica.

Com uma infraestrutura de ponta e projetos ambiciosos, o Brasil mostra que é capaz de produzir ciência de excelência. Mas o desafio é a escala: somos um país de extremos, com péssimos desempenhos educacionais de base e, ao mesmo tempo, ciência de ponta em centros de excelência. Precisamos de material humano em quantidade e qualidade. Não adianta quantidade sem qualidade, nem qualidade sem quantidade. O caminho é claro: precisamos de mais engenheiros, e para isso precisamos, antes de tudo, melhorar o ensino de matemática no Brasil.

Fontes: 

Scientists create scalable quantum node linking light and matter, disponível em https://www.sciencedaily.com/releases/2025/08/250829052210.htm

M. CanteriZ. X. KoongJ. BateA. WinklerV. Krutyanskiy, and B. P. LanyonPhoton-Interfaced Ten-Qubit Register of Trapped Ions. Phys. Rev. Lett. 135, 080801 – Published 21 August, 2025. 

Revista Veja de 18 de agosto de 2025

2025: O Ano da Quântica e o papel do CBPF no Brasil, disponível em https://www.gov.br/cbpf/pt-br/assuntos/noticias/2025-o-ano-da-quantica-e-o-papel-do-cbpf-no-brasil

RFC 791, disponível em https://www.rfc-editor.org/info/rfc791?utm_source=chatgpt.com

RFC 793, disponível em https://www.rfc-editor.org/info/rfc793?utm_source=chatgpt.com


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