COLUNA
Rogério Moreira Lima
Engenheiro e professor, foi coordenador Nacional da CCEEE/CONFEA e vice-presidente CREA-MA (2022). É membro da Academia Maranhense de Ciência e diretor de Inovação na Associação Brasileira de
Rogério Moreira Lima

Estática ou Dinâmica? Afinal, a roda roda!

A formação de engenheiros e o desenvolvimento de conhecimento científico são fundamentais para superar as limitações do modelo estático e consolidar soluções eficazes para os desafios impostos pela dinâmica dos pavimentos e pelo próprio tráfego.

Rogério Moreira Lima

Em engenharia usamos modelos matemáticos que representam os fenômenos físicos necessários ao entendimento do engenho, mas modelos são apenas representações aproximadas da realidade, sempre limitados em relação ao fenômeno físico que procuram descrever. Essa condição exige cuidado redobrado também quando tratamos de cálculos estruturais de pavimentos rodoviários, pois deles dependem a durabilidade, a segurança e o custo de manutenção de nossas estradas.

No entanto, persiste no Brasil uma contradição entre os métodos utilizados para avaliar o esforço que um eixo de carga exerce sobre o pavimento: enquanto a prática tradicional ainda privilegia a análise estática, a realidade imposta pelo tráfego mostra que o comportamento é essencialmente dinâmico.

 

Os engenheiros brasileiros, amparados por normativos, funções de desempenho e resultados de trechos experimentais, seguem recorrendo ao modelo estático, tentando aproximar empiricamente as diferenças entre o cálculo com o veículo em movimento e o veículo parado. Essa prática até encontra respaldo conceitual na disciplina Mecânica dos Pavimentos, no capítulo dedicado a estática, mas esbarra em limitações evidentes quando confrontada com a dinâmica, também parcela integrante da mesma disciplina e intensificada pelo tráfego moderno.

Na solução estática aplicada a um pavimento intertravado com articulações rotuladas tipo macho-fêmea, por exemplo, a tensão máxima à tração na rótula da articulação, quando o veículo está parado, atinge 157 t/m². O valor é bem inferior ao limite de 450 t/m² obtido em ensaios de flexo-tração com concreto simples de fck=35 MPa, transmitindo uma sensação de segurança confortável.

O quadro, contudo, se altera de forma significativa quando se considera a solução dinâmica. Para o mesmo eixo de carga de 8,20 toneladas em movimento a 80 km/h, a tensão axial dinâmica máxima se manifesta através da repetição do eixo de carga e pode se aproximar do limite admissível à fadiga, que, segundo a ABNT NBR-6118, é da ordem de 160 t/m² para esse mesmo concreto. Nesse cenário, a limitação não está no valor instantâneo da tensão, mas no número de repetições do eixo de projeto, o chamado número N. Essa tensão de fadiga limite só pode ser determinada com base em conceitos de fadiga de alto ciclo e em modelos reológicos não lineares, como o de histerese.

Essa contradição entre estático e dinâmico evidencia um desafio crucial: a engenharia brasileira não pode continuar se apoiando apenas em correlações empíricas para lidar com fenômenos de natureza distinta. O tráfego moderno exige que se avance para análises baseadas em fadiga, reologia e modelos matemáticos que se aproximam da realidade. Nesse ponto, as universidades assumem papel insubstituível: é no ambiente acadêmico que se realizam pesquisas constantes, testes experimentais e o desenvolvimento de modelos mais precisos, capazes de representar adequadamente o fenômeno físico. E, no caso das estradas, não há dúvida: o fenômeno é dinâmico, afinal, é claro que a roda, roda.

Nesse contexto, a formação de engenheiros e o desenvolvimento de conhecimento científico são fundamentais para superar as limitações do modelo estático e consolidar soluções eficazes para os desafios impostos pela dinâmica dos pavimentos e pelo próprio tráfego.

O debate está posto. A escolha entre permanecer na tradição ou adotar novos referenciais de cálculo pode definir não apenas o futuro das nossas rodovias, em um esforço conjunto que deve unir as universidades e as normas da ABNT e do DNIT.

Artigo em Colaboração com o Eng. Civ. Germano Saraiva.


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