COLUNA
Rogério Moreira Lima
Engenheiro e professor, foi coordenador Nacional da CCEEE/CONFEA e vice-presidente CREA-MA (2022). É membro da Academia Maranhense de Ciência e diretor de Inovação na Associação Brasileira de
Rogério Moreira Lima

Apagão na Grande Ilha: o que explica a escuridão?

No caso da Grande Ilha, o evento foi causado por uma falha localizada na Subestação São Luís II, conforme o relatório preliminar do ONS.

Rogério Moreira Lima

Na noite deste domingo, 26, um apagão atingiu simultaneamente os quatro municípios da Grande Ilha, São Luís, São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa, por volta das 20h30, deixando boa parte da população sem energia elétrica. O fornecimento começou a ser restabelecido gradualmente cerca de uma hora depois. Diversas mídias noticiaram o fato e reproduziram as notas oficiais emitidas pelas concessionárias responsáveis.

Em nota, a Equatorial Maranhão informou que o fornecimento de energia em alguns bairros de São Luís foi impactado devido a uma ocorrência registrada na Subestação da Eletronorte, localizada na entrada da capital. Tão logo identificada a situação, equipes técnicas da Eletronorte e da Equatorial iniciaram as manobras necessárias para recompor o sistema elétrico e restabelecer o fornecimento de forma gradual e segura. A distribuidora acrescentou que segue acompanhando o caso junto à Eletronorte e ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), responsáveis pela operação do sistema de transmissão, até a completa normalização do serviço.

 

De acordo com o Informe Preliminar de Interrupção de Energia publicado pelo ONS, o desligamento ocorreu às 20h25 do dia 26 de outubro de 2025, envolvendo todos os transformadores TR-1, TR-2, TR-3 e TR-4 (500/230 kV – 600 MVA) da Subestação São Luís II. O evento ocasionou a interrupção de 1.124 MW de carga, sendo 755 MW do consumidor Alumar e 369 MW da distribuidora Equatorial Maranhão. Como consequência, houve o desligamento automático das subestações São Luís I e São Luís III, além da Usina Termelétrica Porto do Itaqui, que estava gerando 359 MW no momento da ocorrência. O relatório do ONS indica que às 21h01 foram restabelecidos 90 MW da carga da distribuidora por meio de transferência do setor de 69 kV da Subestação São Luís IV, às 21h30 foi iniciado o restabelecimento da carga da SE São Luís I, às 21h42 o da SE São Luís III, concluído às 21h59, e às 22h02 iniciou-se o restabelecimento gradativo da carga da Alumar. O ONS e os agentes envolvidos seguem realizando a análise detalhada da ocorrência.

Entre as causas mais comuns de apagões estão curtos-circuitos em linhas de transmissão, falhas em transformadores, descargas atmosféricas e sobrecargas de equipamentos. Cada uma dessas ocorrências provoca uma perturbação no sistema elétrico e aciona mecanismos automáticos de proteção. Os curtos-circuitos, por exemplo, ocorrem quando dois condutores com diferença de potencial entram em contato direto, o que faz a corrente aumentar de forma abrupta. Esse aumento súbito gera calor, arco elétrico e risco de incêndio. Já as falhas em transformadores podem decorrer de problemas de isolação, umidade ou envelhecimento dos materiais internos, levando ao aquecimento do óleo isolante e à degradação dos enrolamentos.

As descargas atmosféricas, por sua vez, introduzem correntes de altíssima intensidade na rede, capazes de provocar sobretensões e danificar isoladores, chaves e para-raios. Outro fator recorrente é a sobrecarga dos equipamentos, que acontece quando o fluxo de corrente ultrapassa o valor máximo para o qual o sistema foi projetado. Nessa situação, os condutores e transformadores aquecem, e o aumento de temperatura acelera a degradação dos materiais.

Nas subestações, os transformadores de potência são componentes críticos. Eles operam com base em princípios de indução eletromagnética e possuem um núcleo ferromagnético que concentra o fluxo de energia. Esse núcleo é regido por uma curva de histerese, que mostra a relação entre o campo magnético aplicado e a densidade de fluxo que o material é capaz de suportar. Quando o transformador trabalha dentro da região linear dessa curva, o fluxo e a corrente permanecem proporcionais. No entanto, em situações de sobrecarga ou distúrbios, o fluxo pode ultrapassar o ponto de saturação. Nesse ponto, o material deixa de responder de forma linear, a corrente magnetizante cresce de maneira acentuada e surgem distorções na forma de onda. O resultado é o aumento das perdas, do aquecimento interno e do risco de danos aos enrolamentos. É por isso que transformadores submetidos à saturação disparam suas proteções térmicas e diferenciais, interrompendo o circuito de forma automática para evitar que a falha evolua para um incêndio ou explosão.

Os dispositivos de proteção, como disjuntores, relés e fusíveis, têm papel essencial na segurança do sistema elétrico. Eles agem preventivamente, desligando automaticamente o circuito quando detectam correntes acima dos limites permitidos. Essa atuação rápida impede que um curto-circuito ou sobrecarga cause danos irreversíveis. O disjuntor utiliza princípios térmicos e magnéticos para interromper o circuito em milissegundos, isolando a falha antes que o aquecimento provoque incêndios. Os relés de proteção, por sua vez, operam de forma seletiva, garantindo que apenas o trecho afetado seja desligado, preservando o funcionamento do restante do sistema. Todos esses dispositivos são projetados e calibrados com base em estudos de corrente de curto, tempo de atuação e coordenação entre proteções, que exigem análises matemáticas e conhecimento especializado em sistemas de potência.

Outra causa que pode contribuir para episódios de interrupção é a instabilidade do sistema elétrico de potência, que ocorre quando o equilíbrio entre a potência gerada e a potência consumida é temporariamente rompido. O sistema elétrico brasileiro, interligado de Norte a Sul, depende de um sincronismo contínuo entre a rotação das turbinas geradoras e a frequência da rede, que deve permanecer próxima de 60 hertz. Quando esse equilíbrio é perturbado, o sistema reage de acordo com leis físicas expressas por equações diferenciais.

A mais importante dessas equações é a equação do movimento do rotor, que explica que a diferença entre o torque mecânico, esforço produzido pela turbina, e o torque elétrico, esforço exigido pelo sistema, é diretamente proporcional ao momento de inércia do conjunto e à variação da frequência. Em outras palavras, quando a máquina entrega mais potência mecânica do que a rede consome, o rotor acelera e a frequência aumenta. Quando entrega menos, desacelera e a frequência diminui. A velocidade dessa variação depende do momento de inércia, que funciona como um amortecedor natural, reduzindo as oscilações e evitando que pequenas perturbações se tornem colapsos de grande escala.

Essa relação mostra que a estabilidade de um sistema elétrico é resultado de um equilíbrio dinâmico entre forças mecânicas e elétricas. Entender e calcular esses fenômenos exige domínio de cálculo diferencial, teoria de controle e dinâmica dos sistemas de potência. São equações complexas que apenas engenheiros eletricistas devidamente habilitados conseguem aplicar com segurança e precisão.

A recomposição após um apagão também depende desses princípios. Antes de religar uma linha ou subestação, é preciso garantir que a tensão, a frequência e o ângulo elétrico estejam sincronizados. Esse sincronismo é calculado com base em modelos matemáticos que determinam o instante exato em que duas partes da rede podem ser reconectadas sem causar picos de corrente. Um pequeno erro de fase pode gerar correntes altíssimas e comprometer transformadores e linhas inteiras. Por isso, o religamento é sempre gradual e controlado.

No caso da Grande Ilha, o evento foi causado por uma falha localizada na Subestação São Luís II, conforme o relatório preliminar do ONS. A simultaneidade do apagão confirma que o ponto de origem estava em um nó de transmissão essencial para o abastecimento da capital e dos municípios vizinhos. A rápida recomposição demonstra que as proteções atuaram corretamente e que o sistema foi restabelecido dentro dos protocolos de segurança. Somente a análise final do ONS poderá confirmar se houve falha de equipamento, sobrecarga, saturação de transformador ou instabilidade transitória.

O episódio reforça o papel essencial do engenheiro eletricista, profissional devidamente qualificado e habilitado para o planejamento, os estudos, os projetos, as análises, a fiscalização, a direção e a execução das obras e serviços referentes à geração, transmissão, distribuição e utilização da energia elétrica, bem como aos equipamentos, materiais e máquinas elétricas e aos sistemas de medição e controle elétricos. É esse profissional que compreende as equações que descrevem os fenômenos físicos e transforma modelos matemáticos em decisões práticas que mantêm o sistema elétrico estável, seguro e eficiente. A engenharia elétrica é uma ciência exata aplicada à vida cotidiana, e sua complexidade mostra que a energia que chega às residências é o resultado direto do conhecimento, da formação e da responsabilidade técnica de engenheiros que dominam a linguagem matemática que sustenta o funcionamento do país.

Para o leitor que deseja se aprofundar, obras clássicas como Power System Stability and Control (Prabha Kundur) e Power System Dynamics (Machowski, Bialek e Bumby) descrevem detalhadamente as equações e os princípios físicos que regem a estabilidade e a operação dos sistemas elétricos de potência. Até a divulgação do boletim conclusivo do ONS, é importante reconhecer que, por trás de cada interrupção de energia, existe uma rede de fenômenos complexos e uma base de cálculos e análises que só o conhecimento especializado da engenharia elétrica é capaz de compreender e controlar.

Artigo feito em colaboração com o engenheiro eletricista e engenheiro de segurança do trabalho Geraldo Pinto Alves Filho, especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho, professor da Faculdade NETCOM e vice-presidente da Associação Brasileira de Engenheiros Eletricistas seccional Maranhão (ABEE-MA).


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