COLUNA
Rogério Moreira Lima
Engenheiro e professor, foi coordenador Nacional da CCEEE/CONFEA e vice-presidente CREA-MA (2022). É membro da Academia Maranhense de Ciência e diretor de Inovação na Associação Brasileira de
Rogério Moreira Lima

Brasil, o país que aplaude políticos, celebra operários, mas esquece seus engenheiros

Essa invisibilidade revela uma profunda incompreensão sobre o papel da engenharia.

Rogério Moreira Lima

As notícias veiculadas diariamente no Brasil revelam um padrão que se repete há décadas. Quando uma obra é inaugurada, os aplausos se dirigem aos políticos e o esforço dos operários é enaltecido. Porém, o papel dos engenheiros, responsáveis pelos estudos, pelo planejamento, pelos projetos, pelas análises e pelo controle técnico das obras e serviços, raramente aparece. O engenheiro permanece invisível nos processos essenciais que estruturam a sociedade e quase nunca é lembrado quando tudo funciona com segurança e eficiência.

Essa invisibilidade revela uma profunda incompreensão sobre o papel da engenharia. Toda obra ou serviço técnico especializado, independentemente do porte, nasce do estudo e do projeto. Nada é executado sem cálculos, análises de riscos, normas técnicas, memoriais, ensaios e decisões que exigem formação científica rigorosa. O projeto é a primeira etapa de segurança, pois nele o engenheiro define dimensões, cargas, métodos, materiais e limites operacionais que garantirão a integridade da futura execução. No entanto, o trabalho do engenheiro não se encerra nesse momento inicial.

A engenharia está presente em praticamente todas as atividades do nosso cotidiano, embora o engenheiro permaneça invisível aos olhos da sociedade. Da construção de escolas públicas às pontes e estradas, dos veículos automotores às aeronaves comerciais, do acesso à internet ao funcionamento do 5G, das ferrovias aos sistemas de tratamento de água, dos equipamentos médicos que salvam vidas, como o tomógrafo criado pelo engenheiro eletricista Godfrey Hounsfield, ao avião que nos transporta, da energia elétrica que chega às nossas casas ao rádio, à televisão, aos satélites, aos foguetes e até aos alimentos que chegam à nossa mesa, tudo depende da engenharia. Engenheiros civis, eletricistas, mecânicos, eletrônicos, de telecomunicações, de computação, aeronáuticos, ambientais, agrônomos, de minas e tantos outros profissionais são responsáveis diretos por transformar conhecimento em segurança, eficiência e desenvolvimento.

A engenharia não se limita a estudos e projetos. No momento da execução, ela assume uma segunda camada essencial de responsabilidade. A obra ou o serviço deixa o papel e passa a existir no mundo real, sujeito a condições práticas, variações de materiais, interferências externas e desafios que somente a experiência técnica pode interpretar corretamente. É nessa fase que ocorre o duplo controle de segurança. O engenheiro responsável pela execução verifica se o que foi projetado está sendo cumprido, fiscaliza métodos, acompanha o desempenho dos elementos estruturais, confere o comportamento dos sistemas e identifica eventuais incompatibilidades entre o planejado e o executado. Quando alguma divergência técnica aparece, o engenheiro não improvisa nem decide isoladamente. Ele analisa, registra, comunica e, quando necessário, contata o projetista para esclarecimentos, revisões ou atualizações do projeto. Nesse processo, dois engenheiros estudam a situação em conjunto e chegam à solução mais segura para a sociedade. Essa interação contínua entre projeto e execução é um dos maiores pilares da prevenção de acidentes.

Apesar disso, o conhecimento técnico especializado nem sempre é respeitado. Alertas, análises de risco, exigências de correção e solicitações de recursos são frequentemente ignoradas, substituídas por decisões políticas, financeiras ou administrativas sem embasamento na engenharia. E é justamente nesse ambiente que surgem os sinistros. O que provoca acidentes não é a engenharia, e sim a ausência dela. Construções feitas sem responsabilidade técnica, instalações executadas por pessoas sem formação, serviços sem projeto, improvisações e adaptações indevidas representam risco real. Onde falta engenheiro, sobra perigo.

Muitas vezes o engenheiro é visto como o chato, o profissional das exigências supostamente desnecessárias, aquele que atrapalha o ritmo da obra ou do serviço porque insiste em normas, cálculos e verificações. É nesse ambiente de desinformação que o exercício ilegal da engenharia ganha espaço, com pessoas optando por ignorar as determinações da engenharia, preferindo pagar multas ou recorrer a soluções improvisadas para suposta “economia”. Na prática, porém, essa economia nunca se concretiza. Pelo contrário, aumenta riscos, compromete a segurança e eleva o custo final. Sem projeto, sem planejamento e sem responsabilidade técnica, a execução cobra seu preço, seja em retrabalho, em desperdício, em correções emergenciais ou, no pior dos casos, em sinistros que poderiam ser completamente evitados.

Essa cultura é perigosa. Quando se desvaloriza o engenheiro, reduz-se a autoridade do conhecimento técnico especializado. Sem esse reconhecimento, projetos passam a ser vistos como burocracia, fiscalização perde força, normas deixam de ser aplicadas e o improviso toma o lugar do rigor. E é exatamente nesse espaço que nascem os acidentes, nunca na presença da engenharia, mas sempre na sua ausência.

Valorizar o engenheiro significa compreender que projeto e execução são partes inseparáveis de um mesmo compromisso com a segurança. Significa reconhecer que o duplo controle de engenharia existe justamente para proteger vidas. Significa entender que nada é seguro sem estudo e que nenhuma obra ou serviço é confiável sem acompanhamento permanente do engenheiro.

Se o Brasil deseja se desenvolver, precisa incluir a engenharia na narrativa pública. Precisa reconhecer que nenhuma obra nasce de discursos e que nenhum avanço ocorre sem engenharia. É o engenheiro quem traduz conhecimento em infraestrutura, teoria em segurança e cálculo em desenvolvimento.

O engenheiro deve ser reconhecido desde o primeiro traço do projeto até o último ato da execução, pois é nesse ciclo completo que se constrói um país seguro, eficiente e verdadeiramente moderno.

Artigo feito em colaboração com o Engenheiro Mecânico, Civil e de Segurança do Trabalho Dr. Elson Cesar Moraes (Conselheiro do CREA-MA e Professor do Curso de Engenharia Mecânica da UFMA) e com o Engenheiro Agrônomo Nunes (ex-Conselheiro do CREA-MA).


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