SÃO PAULO- “Para nos vencer, o alemão ou suíço teria de passar várias encarnações aqui. Teria que nascer em Vila Isabel, ou Vaz Lobo. Precisaria ser camelô no Largo da Carioca. Precisaria de toda uma vivência de boteco, de gafieira, de cachaça, de malandragem geral”, escreveu Nelson Rodrigues, em 1962. Cinquenta e dois anos depois, não estava aqui para ver os alemães mostrarem ginga dentro e fora de campo em terras brasileiras.
A goleada por 7 a 1 da Alemanha sobre a Seleção foi só um dos momentos do Mundial com o drama tão caro ao dramaturgo, que, distante desde 1980, ao menos se fez presente de alguma maneira na Copa do Mundo. Da hedionda intervenção do Sobrenatural de Almeida nas grandes zebras ao batido “complexo de vira-latas” para explicar os pontapés – na bola – com os quais o time de Felipão foi tratado na semifinal, a figura do maior cronista esportivo foi evocada com frequência ao longo daquela que ficou conhecida como a Copa das Copas.
Antes mesmo do início da competição, a unanimidade que sempre irritou o escritor o havia envolvido mais uma vez. Com a proximidade da disputa, o ministro do Esporte – Aldo Rebelo, do PC do B, partido ditado por ideias opostas às defendidas por Nelson – mandou rodar dois livros do “reacionário” para distribuição em escolas públicas e bibliotecas. O homem que desprezava o videoteipe teve ainda os direitos de sua obra comprados para fins publicitários por uma empresa de telecomunicações para divulgação de sua tecnologia 4G. A campanha era resumida por “#nelsonexplica”. Não explicou.
Embora textos antigos do jornalista tenham sido apropriadamente resgatados em situações como a contusão de Neymar – imediatamente relacionada à de Pelé em 1962, com a subsequente participação decisiva do “possesso” Amarildo na conquista do bi –, faltou o cronista dos cronistas. Ele não comentou a derrocada verde-amarela, o choro constante e descontrolado dos encarregados de buscar o hexa, a supostamente infalível tecnologia de verificação da entrada da bola no gol ou a dentada do uruguaio Suárez no italiano Chiellini.
Para José Carlos Marques, autor da dissertação de mestrado que virou o livro “O Futebol em Nelson Rodrigues”, a Copa deste ano foi “prodigiosa em nos apresentar personagens e narrativas que seriam um prato cheio para a verve criativa” do jornalista. O professor não tem dúvida de que “tudo seria trabalhado de maneira hiperbólica por Nelson”, com o exagero na linguagem tão característica do Anjo Pornográfico.
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Ainda que tenha havido momentos de grande futebol no Mundial, Nelson certamente seguiria rebaixando a bola a “um ridículo detalhe”, sem dificuldade para encontrar o drama, a tragédia, o horror e a compaixão que buscava em todas as suas áreas de atuação. O duro para aqueles que se acostumaram a desfrutar as suas crônicas é que não adianta nem imaginar o que brotaria de sua máquina de escrever.
“Se alguém se julga capaz de adivinhar o que Nelson Rodrigues estaria pensando de tudo isso, é porque não entende nada de... Nelson Rodrigues”, resume Ruy Castro, autor da biografia “O Anjo Pornográfico – a Vida de Nelson Rodrigues”. “Sou seu leitor há 61 anos – desde os cinco, quando aprendi a ler – e até hoje não me considero autorizado para tentar imaginar o que Nelson pensaria.”
O jeito é apreciar o inimitável revisitando algumas de suas mais de 10 mil crônicas esportivas – sem mencionar seu revolucionário teatro, seus romances ou sua também rica produção não ficcional. Se não viu Neymar, Nelson previu que a distensão de Pelé no Chile seria “para Amarildo como a Revolução Francesa para Napoleão”. Sem observar as lágrimas de esguicho de Júlio César, Thiago Silva e David Luiz, apontou que “nenhum craque”, ou bagre, “nem daqui, nem da Inglaterra, nem da Cochinchina, perde a sua condição humana”.
Nelson não explicou o que houve na Copa das Copas, e hoje “são poucos os que conseguem perceber essa riqueza ficcional no futebol e devolvê-la sob a forma de crônicas originais”, como diz José Carlos Marques. Mas o cronista dos cronistas se fez presente com textos antigos, mais atuais do que alguns escritos nesta semana e mais resgatados do quaisquer outros do passado. O motivo é simples, segundo Ruy Castro: “Porque ele é o melhor”.
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