Comprova Explica
Diversos estudos já comprovaram a eficácia e a segurança das vacinas contra a covid-19, mas, cinco anos depois do início da pandemia, os conteúdos de desinformação sobre o assunto continuam viralizando nas redes sociais. Contra eles, a seção Comprova Explica mostra como é a produção e a avaliação dos imunizantes e como a desinformação atrapalha o debate.
Conteúdo analisado: Posts com desinformação sobre as vacinas contra a covid-19. Conteúdos que afirmam que as vacinas causam doenças graves e que aumentaram o número de mortes pelo novo coronavírus, entre outros.
Comprova Explica: Já se passaram cinco anos desde o início da pandemia e quase dois do fim dela, mas conteúdos com desinformação sobre a vacina contra a covid-19 continuam circulando, sejam os antigos que voltam a viralizar ou novos que são criados.
Contra essas publicações, ainda em 2022, a seção Comprova Explica publicou, por exemplo, texto explicando por que os eventos adversos graves pós-imunização são raros e que os benefícios superam os riscos. No mesmo ano, trouxe outro texto informando que era mentirosa a associação entre a vacina e o HIV.
Estudos já comprovaram a eficácia e a segurança das vacinas, e diversas pesquisas confirmaram que elas foram fundamentais para o controle do vírus. Em setembro do ano passado, a prestigiada revista The Lancet publicou estudo estimando que, entre dezembro de 2020 e março de 2023, as vacinas contra a covid salvaram 1,6 milhão de vidas na Europa.
Um outro estudo, também publicado pela The Lancet em 2024, mostrou que as vacinas contra 14 tipos de doenças salvaram 154 milhões de vidas nos últimos 50 anos. A grande maioria das vidas salvas foram de crianças – 101 milhões.
Mas os desinformadores distorcem informações ou inventam dados para espalhar preocupação e fortalecer o movimento antivacina.
Recentemente, um artigo publicado no The New York Times trouxe uma discussão interessante: embora aceitemos diariamente viver com riscos – seja ao tomar banho de banheira, onde pessoas morrem afogadas, ou ao subir uma escada de onde a queda pode ser fatal –, e embora a relação risco-benefício seja mais explícita na área da medicina e consigamos compreender que um medicamento pode causar convulsões e mesmo assim tomá-lo, a discussão sobre os riscos das vacinas se tornou impossível.
“Quando pesquisadores relatam um efeito colateral aparente ou resultado adverso, eles podem estar quase certos de que atores ruins distorcerão suas palavras para minar seu significado”, diz o texto escrito pelo jornalista e palestrante na Escola de Saúde Pública de Yale, James Hamblin, referindo-se a conteúdos de desinformação. Frente a essa discussão, a seção Comprova Explica traz detalhes de como é o processo de produção e avaliação dos imunizantes e como a desinformação afeta o debate.
Como é medido o risco de um medicamento?
Para chegar às farmácias, qualquer medicamento no Brasil precisa ser antes aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No órgão, a unidade responsável por analisar a segurança e eficácia é a Gerência de Avaliação de Segurança e Eficácia (GESEF), da Gerência-Geral de Medicamentos.
Essa avaliação, diz a Anvisa, segue regras estabelecidas pelas Boas Práticas de Avaliação (BPA) da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Segundo a agência brasileira, o registro é dado quando evidências científicas mostram que “os benefícios conhecidos e potenciais do medicamento, quando usado para diagnosticar, prevenir ou tratar a doença ou condição clínica identificada, superam os riscos conhecidos e potenciais”.
Ao Comprova, a médica Luciana Miyahira de Mello Nunes, responsável técnica pelo Conecta Médico, plataforma de telemedicina da Interplayers, hub de negócios da saúde e bem-estar, afirmou que as evidências devem ser baseadas em pesquisa básica (com etapas como descobrimento da molécula e testes in vitro) e as três primeiras fases da pesquisa clínica, com testes em animais e em humanos.
Também à reportagem, Mayra Moura, doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), diz que as fases dos estudos clínicos seguem protocolos que contam com um comitê externo, sem ligação com o patrocinador daquele medicamento que está sendo desenvolvido. “Se foi identificada uma reação inesperada grave, esse comitê é acionado e é feita uma avaliação para entender se vale continuar com o estudo ou não.”
Com os imunizantes é diferente?
Não. A aprovação de vacinas no Brasil segue os mesmos critérios estabelecidos para qualquer medicamento.
O processo também segue as Boas Práticas de Fabricação da OMS, que, segundo a Anvisa, “têm o objetivo de estabelecer padrões de qualidade para assegurar que os medicamentos sejam fabricados de maneira uniformizada, visando minimizar a ocorrência de trocas, misturas ou contaminações na fabricação, garantindo ainda a possibilidade de se rastrear seus componentes desde a matéria-prima até a disponibilização ao consumidor final”.
“Vacinas são substâncias que induzem o sistema imunológico do corpo humano a produzir anticorpos contra aquela determinada doença, de origem viral ou bacteriana”, diz Luciana, que reforça que o processo de aprovação também engloba uma fase pré-clínica e outra clínica. “A fase pré-clínica envolve toda pesquisa sobre os vírus ou bactérias, a doença e a forma como o corpo age após a exposição ao patógeno ou durante a doença.”
Depois, ela explica, são realizados estudos para “testar e tentar comprovar a resposta imune que aquela substância consegue induzir em animais” e, “com a demonstração de resultados positivos nesta fase, a pesquisa avança para a fase clínica, divididas em 4 etapas, assim como nos testes para medicamentos”.
Nas vacinas, os riscos de efeitos colaterais costumam ser muito menores do que o das doenças. O que isso significa na prática?
Apesar de intensa campanha de desinformação sobre o tema, a ciência prova que as vacinas são seguras. Os riscos de efeitos colaterais são muito menores do que os riscos das próprias doenças que elas previnem.
“Quando falamos de vacinas, estamos falando de medicamentos extremamente seguros. Os eventos adversos mais comuns são leves, como dor no local da aplicação, vermelhidão ou febre baixa. E duram, em média, de dois a três dias”, explica a enfermeira Mayra Moura.
A comparação com os riscos das doenças é direta. “Um bom exemplo é a miocardite. Ela pode acontecer como efeito colateral da vacina contra a covid-19, mas acontece com muito mais frequência em quem contrai a própria covid. Ou seja: o risco de não se vacinar é sempre maior”, destaca.
A médica assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) Jorgete Maria e Silva acrescenta que, no caso da vacina contra a febre amarela, por exemplo, o risco de reação grave após a aplicação do imunizante é de 0,8 casos para cada 100 mil doses aplicadas, enquanto a letalidade da doença é em torno de 60% a 80% para os não vacinados.
“De uma forma geral, a incidência de eventos adversos é bem menor nos vacinados do que o risco de adoecer nos não vacinados”, reforça Jorgete.
Como são reportados os efeitos colaterais?
Qualquer sintoma inesperado que apareça após a vacinação é monitorado pelas autoridades de saúde. Esses episódios são chamados de Eventos Supostamente Atribuíveis à Vacinação ou Imunização (ESAVI).
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“Tudo o que acontece com a pessoa depois da vacina deve ser avaliado. Mesmo que ainda não se saiba se foi causado diretamente pela vacina, o profissional de saúde precisa registrar”, explica Mayra. No Brasil, a notificação é feita pelo sistema e-SUS Notifica e dá início a uma investigação.
Esse processo passa por três níveis: municipal, estadual e federal. O caso é analisado em busca de uma possível relação causal com a vacina. Quando essa ligação é confirmada, o evento deixa de ser considerado apenas um ESAVI e passa a ser classificado como reação adversa — aquela que vai para a bula do imunizante.
Como e quando os efeitos adversos são incorporados à bula?
O processo de avaliação de uma vacina não termina quando ela é aprovada para uso na população. Mesmo depois de licenciada, a vacina segue sob monitoramento constante, tanto pelo fabricante quanto pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI).
“Isso acontece com qualquer medicamento. Qualquer remédio que esteja disponível para uso é monitorado enquanto existir. Com as vacinas, não é diferente”, explica Mayra Moura.
O acompanhamento contínuo permite verificar se o perfil de segurança identificado nos ensaios clínicos se mantém ao longo do tempo ou se há novas informações que precisam ser incluídas na bula. “Às vezes, uma reação muito rara não aparece durante os testes, porque esses estudos, por maiores que sejam, ainda envolvem um número limitado de pessoas. Mas quando a vacina passa a ser aplicada em milhões de pessoas, essas reações raras podem surgir”, afirma a especialista.
Como a desinformação provoca ruído no debate sobre vacinas?
O professor sênior da (USP) e vice-presidente para São Paulo da Academia de Brasileira de Ciências (ABC), Glaucius Oliva, explica que, durante a pandemia da covid-19, as revistas científicas decidiram publicar imediatamente os artigos relacionados à doença, sem cobrança dos autores para publicação e com acesso liberado ao público. O objetivo era promover a circulação de informações sobre a doença da forma mais rápida possível, numa expectativa de que isso pudesse contribuir para o controle da pandemia.
No entanto, o que seria uma atitude bem intencionada, acabou por servir de combustível para o movimento antivacina, pois não houve tempo necessário para uma revisão por pares criteriosa dos artigos antes de eles serem publicados, inclusive em revistas de prestígio na comunidade científica, o que resultou na divulgação de informações que, posteriormente, se mostraram incorretas.
“O resultado disso é que diversos artigos científicos publicados forneceram, eu diria intencionalmente ou não, material que depois veio a ser utilizado de forma indevida pelos movimentos antivacina para gerar dúvidas sobre segurança e eficácia das vacinas”, diz Oliva.
Mesmo após serem retirados de publicação por erros metodológicos e conclusões equivocadas, esses estudos continuaram a circular na internet, alimentando as campanhas de desinformação e influenciando a percepção pública. Um dos exemplos é o estudo “The Safety of covid-19 Vaccinations—We Should Rethink the Policy” (“A segurança das vacinas contra covid-19 — Devemos repensar a política”). Publicado na revista Vaccines em 24 de junho de 2021, ele sugeria que, para cada três mortes evitadas pela vacina contra a covid-19, duas seriam causadas pela própria vacina.
O artigo foi retirado de publicação no mês seguinte, após uma série de críticas que apontaram erros no trabalho e levaram, inclusive, à renúncia de membros do conselho editorial da revista. “Esse artigo foi amplamente promovido por ativistas antivacina para sustentar suas alegações sobre supostos perigos”, diz Oliva. “Isso nos mostra a importância da revisão vigorosa por pares e da interpretação cautelosa de resultados científicos, especialmente durante crises globais de saúde”.
Por outro lado, a proliferação das chamadas revistas predatórias – que lucram com taxas cobradas para a publicação de artigos sem um adequado processo de revisão – também foi outro fator que impulsionou a desinformação sobre vacinas na internet. Segundo Luiz Carlos Dias, professor da Unicamp e membro titular da ABC, os movimentos antivacina se valem de estudos publicados nessas revistas para dar um caráter “científico” às alegações enganosas que pretendem difundir.
“Eles se valem da má ciência publicada nessas revistas de baixo nível para espalhar desinformação e mentiras”, diz Luiz Carlos Dias. “A população não tem como saber quem está produzindo ciência de qualidade ou não e acaba confiando nesses grupos que disseminam desinformação”.
Como a emergência do movimento antivacina durante a pandemia afetou a vacinação no Brasil?
O professor Luiz Carlos Dias, autor do livro “Não há mundo seguro sem a ciência – A luta de um cientista contra as pseudociências”, explica que o movimento antivacina ganhou força no Brasil durante a pandemia. E vem afetando, de forma indireta, a taxa de cobertura de outros imunizantes que não o da covid-19. Em 2024, de acordo com dados do Ministério da Saúde, somente a vacina BCG, que previne contra formas graves de tuberculose, e a Tríplice Viral – 1ª dose, que protege contra o sarampo, caxumba e a rubéola, atingiram patamar maior ou igual à meta de cobertura.
Segundo o professor, há outros fatores influenciando a queda de cobertura vacinal. Ele cita a falta de campanhas de conscientização, a necessidade de reestruturação do SUS, com abertura de mais salas de vacinação e contratação de profissionais, e a impressão de parte da população de que doenças como sarampo e poliomielite não existem mais.
“Nesse sentido, podemos dizer que as vacinas são vítimas do próprio sucesso”, diz Luiz Carlos. “Sempre tivemos taxas de cobertura vacinal elevadas no Brasil e isso contribuiu para o controle dessas doenças. As pessoas acreditam que elas não existem mais, mas isso não é verdade. São necessárias altas taxas de vacinação, em torno de 95%, para que essas doenças continuem sob controle”.
Segundo levantamento da revista Pesquisa Fapesp, as taxas de vacinação infantil no Brasil estiveram em queda consecutiva desde 2016, com aumento das taxas a partir de 2022. Em outra publicação, a revista cita entre os fatores para a queda, aspectos como a percepção enganosa de que algumas doenças não existiriam mais, o horário restrito de funcionamento dos postos de vacinação, desconhecimento do calendário vacinal, que se tornou mais complexo, e o receio de reações adversas e sobrecarga do organismo com o número mais elevado de vacinas. O texto cita ainda o efeito da circulação de notícias falsas sobre vacinas e a ação organizada de grupos contrários à imunização.
Impacto da desinformação sobre a vacina infantil contra a covid
Segundo o professor Luiz Carlos Dias e o doutor em microbiologia e diretor de Educação do Instituto Questão de Ciência (IQC), Luiz Almeida, a desinformação vem afetando de forma mais considerável a vacinação de crianças contra a covid-19. Segundo dados do Ministério da Saúde, a taxa de cobertura é mais baixa entre crianças de 6 meses e de 3 a 4 anos de idade.
De acordo com o painel, até o momento, 35,8% das crianças de 6 meses receberam duas doses e 11,2%, três doses da vacina monovalente. Já na faixa etária de 3 a 4 anos, 30,6% receberam duas doses e 15,2%, três doses do imunizante.
“Não há dúvida que o movimento antivacina atrapalhou a adesão às vacinas contra a covid, especialmente em crianças, pois vimos uma campanha intensa nas redes sociais, inclusive protagonizada por membros do governo federal”, avalia Luiz Carlos Dias.
Luiz Almeida acrescenta que a percepção equivocada de que a covid-19 não afeta crianças de forma grave também contribuiu para as baixas taxas da cobertura vacinal contra a doença nesse grupo. “Isso é uma falácia. Acredito que esse tipo de desinformação tenha sido mais prejudicial do que qualquer outra”.
Como mostrou o Comprova, informe do Ministério da Saúde mostra que, em 2024, houve 82 mortes por covid-19 de crianças menores de 1 ano a 11 anos de idade.
Fontes consultadas: Sites de órgãos como Anvisa e OMS, a médica Luciana Miyahira de Mello Nunes, a diretora da SBim Mayra Moura, os professores Luiz Carlos Dias e Glaucius Oliva e Luiz Almeida, do IQC.
Por que o Comprova explicou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está gerando muitas dúvidas e desinformação, o Comprova Explica. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Para se aprofundar mais: Os imunizantes são frequentemente temas de conteúdos de desinformação. Recentemente, o Comprova mostrou que estudos mostram benefícios da vacina infantil contra covid, ao contrário do que dizia post e que publicação engana ao afirmar que levantamento concluiu que o produto anti-covid não é seguro.
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