O Desabamento da Ponte JK: Reflexões sobre Manutenção e Segurança Estrutural

O desabamento da Ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira, que conecta Aguiarnópolis, no Tocantins, a Estreito, no Maranhão, ocorrido em 22 de dezembro de 2024, trouxe à tona questões críticas de natureza técnica e gerencial na engenharia de estruturas. A tragédia, que já resultou em dez mortes confirmadas [11], evidencia a necessidade urgente de reavaliar as práticas de manutenção e gestão de grandes estruturas no Brasil. Esse cenário ressalta a importância de contar com engenheiros devidamente habilitados para as atividades de direção, estudo, planejamento, projeto, execução e fiscalização de obras e serviços técnicos relacionados a obras de arte especiais, ou seja engenheiros civis com sólidos conhecimentos em resistência dos materiais, imprescindíveis para o projeto e a análise estrutural.

Construída em 1960, a ponte foi concebida com base nos princípios de equilíbrio estático e resistência dos materiais, pilares fundamentais para garantir a segurança estrutural. Projetar e executar pontes estão entre as atribuições dos engenheiros civis, desde que os conteúdos essenciais sejam contemplados no currículo acadêmico, conforme previsto nos arts. 1º, 7º, 10, 11 e 27 ‘f’ da Lei nº 5.194/1966, em combinação com o art. 7º da Resolução CONFEA nº 218/1973 e o art. 5º da Resolução CONFEA nº 1.073/2016. Essas atividades exigem profissionais altamente qualificados, com formação sólida em cálculo diferencial e integral, álgebra linear, mecânica dos sólidos e análise estrutural.

A análise estrutural inclui conceitos como esforços normais, cortantes e momentos fletores, que determinam como as forças atuam sobre diferentes partes da estrutura. A equação diferencial de Euler-Bernoulli é amplamente empregada para modelar vigas em estruturas simples, relacionando propriedades materiais e geométricas à curvatura da viga. Contudo, projetos de pontes exigem abordagens mais avançadas, como a teoria do Estado Plano de Tensões de Timoshenko, que incorpora efeitos como cisalhamento transversal e deformações complexas, sendo indispensável para o estudo de placas e vigas submetidas a cargas dinâmicas.

Além disso, a análise de pontes requer conhecimentos detalhados sobre Superfícies e Linhas de Influência. A propagação de esforços no tabuleiro de uma ponte é essencial para compreender como as cargas aplicadas, como as de veículos e pedestres, se distribuem pela estrutura. Modelagens baseadas na Série de Fourier e na Transformada de Fourier oferecem ferramentas matemáticas eficazes para analisar cargas periódicas e dinâmicas, como aquelas causadas por ventos ou tráfego intenso. Métodos numéricos, como o Método dos Elementos Finitos, possibilitam simulações detalhadas, permitindo identificar vulnerabilidades estruturais e propor soluções técnicas adequadas, desde que aplicados por profissionais com domínio teórico e prático.

O dimensionamento das fundações de pontes apresenta desafios distintos em relação às fundações de edificações, devido à necessidade de resistir a cargas dinâmicas e à exposição contínua à água. Soluções em fundações profundas (estacas cravadas a percussão, escavadas/perfuradas) são frequentemente adotadas. O uso de concreto protendido nas vigas ilustra a complexidade técnica desses projetos, que demandam conformidade com normas como a NBR 7187:2022, voltada ao projeto de pontes, e a NBR 7188:2024, que classifica pontes quanto à capacidade de suportar cargas móveis e uniformemente distribuídas (CUD). A NBR 9452:2023 também desempenha papel fundamental, regulando inspeções estruturais que garantem a integridade e a segurança das pontes ao longo do tempo.

Desde sua inauguração, a Ponte Juscelino Kubitschek enfrentou um aumento significativo no volume e no peso das cargas de tráfego, especialmente de caminhões de grande porte, impondo tensões muito superiores às previstas no projeto original. Esse cenário reforça a importância de revisões periódicas e adequações às normas modernas, como a NBR 7188, garantindo que as pontes possam atender às novas demandas de tráfego.

Conforme El Debs [8], a manutenção de pontes envolve ações contínuas ao longo de sua vida útil, incluindo inspeções, ensaios e intervenções como reforço e reabilitação. Esses processos são cruciais não apenas para garantir a segurança estrutural, mas também para subsidiar revisões normativas e avanços tecnológicos, prolongando a durabilidade das pontes e minimizando riscos futuros.

A ausência de um planejamento eficaz de manutenção preventiva em obras de arte especiais aumenta o risco de novos colapsos em pontes e outras grandes estruturas. É urgente a criação de uma lei federal que torne obrigatórias inspeções periódicas e manutenções preventivas. Da mesma forma, é essencial implementar uma legislação para inspeção predial, considerando o crescimento de edificações que abrigam centenas de famílias em cidades como São Luís. Monitoramentos contínuos, utilizando sensores de deformação, vibração e corrosão, poderiam detectar falhas iniciais antes que se agravassem, prolongando a vida útil das estruturas e reduzindo os riscos de falhas catastróficas.

Enquanto países como os Estados Unidos possuem mecanismos rigorosos de formação, licenciamento e fiscalização, o Brasil ainda enfrenta desafios estruturais, tanto no ensino quanto no exercício profissional da engenharia. O primeiro passo é conscientizar a sociedade de que quem entende de engenharia é o Engenheiro e, por isso, é indispensável cumprir as recomendações técnicas emitidas nos laudos desses profissionais. Além disso, é essencial priorizar investimentos em inspeção e manutenção preventiva, inspirando-se em países que reconhecem que proteger vidas deve ser a maior prioridade. Afinal, que medidas tomaremos para evitar novas tragédias?

Artigo elaborado em colaboração com o Eng. Civil Mikhail Luczynski, Mestre em Engenharia Civil/Estruturas pela UFPA, professor de Engenharia Civil da UFMA

Fonte: 

[1] Engenharia brasileira em crise: as razões por trás da falta de profissionais, disponível em https://exame.com/carreira/engenharia-crise-falta-profissionais/

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[2] Até alunos mais ricos no Brasil estão abaixo da média global em Matemática, aponta Pisa, disponível em https://www.bbc.com/portuguese/articles/cv2zx819rg4o

[3] FMI lista as 20 maiores economias do mundo em 2023; veja posição do Brasil, disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/fmi-lista-as-20-maiores-economias-do-mundo-em-2023-veja-posicao-do-brasil/#:~:text=Brasil%20%E2%80%93%20US%24%202%2C13,M%C3%A9xico%20%E2%80%93%20US%241.81%20trilh%C3%A3o

[4] site do CREA-MA/ ações da fiscalização, disponível em https://www.creama.org.br/

[5] RESOLUÇÃO MEC/CNE/CES Nº 2, DE 24 DE ABRIL DE 2019

[6] LEI Nº 5.194, DE 24 DE DEZEMBRO DE 1966.

[7] LEI Nº 6.496, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1977.

[8] El Debs, M. K. PONTES DE CONCRETO. Pg. 466. Editora Oficina de Textos. ISBN 978-65-86235-31-9. 1ª Edição. São Paulo-SP.

[9] Conselho Nacional de Licenciamento de Engenheiros e Agrimensores, disponível em https://ncees.org/

[10] Conselho de Acreditação para Engenharia e Tecnologia, disponível em https://www.abet.org/

[11] Sobe para 10 o número de mortos após queda de ponte no rio Tocantins; sete seguem desaparecidos, disponível em https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2024/12/27/sobe-para-11-o-numero-de-mortos-apos-queda-de-ponte-no-rio-tocantins-seis-seguem-desaparecidos.ghtml

 

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