COLUNA
Dr Hugo Djalma
Médico nutrólogo e neurocientista
Dr Hugo Djalma

A necessidade evolutiva de ser útil

Imagine-se acordando em uma ilha com mais duas pessoas e ninguém mais no planeta.

Dr Hugo Djalma

Imagine-se acordando em uma ilha com mais duas pessoas e ninguém mais no planeta. Vocês caminham horas a fio até que encontram uma tribo. Neste lugar seu companheiro se oferece para caçar, levar comida e coletar alimentos enquanto a outra companheira é uma exímia cozinheira improvisadora que prepara os melhores pratos do lugar. Você tem dois phds em história e um em direito ambiental e não consegue aplicar suas habilidades em nada útil para aquela vila. Adivinhe quem terá menos chance de sobreviver? 

Comecemos então com a segunda maior propriedade para a sobrevivência na terra: a capacidade de coletivizar. A primeira é a antecipação (alguns chamam de adaptação). Ser parte de algo maior é tão entranhado nos seus antecessores que criamos emoções secundárias como o orgulho à pátria e a honra para mantermos esta tendência comportamental diante de nossas abstrações. Por isso você se sente preenchido e seguro quando entra na polícia, serve exército, é liderado por um chefe forte ou cria um grupo de jovens na igreja onde suas funções são reconhecidas. 

Isso existe em seres tão complexos como nós assim como em cardumes de peixes, cachorrinhos, colmeia de abelhas ou até seres unicelulares. As bactérias, mesmo sem sistema nervoso, possuem comportamento cognitivo em reunirem-se para fortalecer a chance de sobrevivência. 

Acontece que nossas atitudes são proporcionais à nossa capacidade de abstração e acabamos por achar que nossos comportamentos passam por etapas evolutivas diferentes dos outros seres biológicos; ou seja, achamos que somos superiores a tal ponto de cultuarmos a solidão como solitude ou a ilusória autosuficiência como conquista de sociedade moderna. -eu não preciso de ninguém para ser feliz. Então você verá vizinhos que não se falam mesmo dividindo paredes e portas, ministérios da solidão em países desenvolvidos, aumento do número de suicídios e surgimentos de grupos que chamam atenção por qualquer razão apenas pelo desejo de existir. Não, não viemos de escala evolutiva diferente dos outros seres no isolamento. Experimente piorar a vida de um presidiário; mande-o para a solitária. Unir sempre foi a melhor solução. 

Nos anos 2000, no Brasil, houve um movimento político-social intenso com significativa falácia do merecimento: -você merece tudo (mesmo não fazendo nada para isso). Houve um crescimento no abismo entre o que achamos que merecemos do que realmente merecemos. Isso causou um desbalanço na noção de esforço e recompensa e a ilusão de que podemos emagrecer apenas com um remédio ou ficarmos ricos sendo influencers. 

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Porém, o que há de errado nisso? A geração desta época passou a ser muito mais servida pela família do que ser parte integrante de sua tribo. Jovens com noção de que merecem mais que realmente produzem acabam por entrarem em crises existenciais profundas. Simplesmente porque não se sentem úteis; e não sabem disso.  

Mas porque ser útil é tão importante assim? Imagine que todos os dias quando você varre a porta de sua casa e acaba limpando também a calçada do vizinho. Você também tem o hábito antigo de emprestar uma xícara de açúcar ou manteiga para a dona Elza da casa 04. Observe algo extremamente interessante: seu vizinho e dona Elza lhe devem algo mesmo que não queiram. E ainda que não tenham pedido ou até mesmo tentado impedir de receber sua ajuda, seus conscientes coletivos sabem, tacitamente, que um valor foi gerado ali; e isso é muito bom. Por isso ser útil gera créditos que não precisa da autorização alheia; e isso aumentará substancialmente sua chance de sobrevivência.  

Nossas atitudes foram e são muito mais controladas por naturezas que não temos consciência. Na verdade, muitos cientistas consideram que a parte consciente é apenas 5% da função cognitiva. Por isso sentir-se útil vem impregnado no seu dna e você sabe que, mesmo inconscientemente, ser inútil vai diminuir suas chances de ser escolhido para ser integrante da tribo de alguém. 

O outro aspecto importante se dá no posicionamento de ambiente coletivo: porque você limpou o banheiro no último domingo nada mais justo seu colega de quarto lavar a louça. Há um gerenciamento automático de comportamento coletivo onde a linguagem de atitudes fala por si só. Ser inútil quebra acordos que nem precisaram ser ditos. 

Assim, a melhor coisa que você pode fazer é: um check list de quem é você nas tribos que faz parte. Seja na academia sendo gentil, na igreja coletando os dízimos, na sua casa preparando café nos domingos ou na escola adicionando-se em comportamento. Não se trata somente de fazer para receber, mas porque sua natureza vai mudar até mesmo seus cálculos de merecimento sobre si. Vai gerar, em espelhamento, mais reconhecimento em quem o serve e vai preencher essa lacuna que antecede sua existência; você nasceu, necessariamente, para ser útil! Agora sabemos a real fundamentação de: é dando que se recebe. 

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