O problema não é o que, mas quem!
Não abordarei aqui as relações que envolvem travestis ou transexuais, somente relações homoafetivas masculinas em contexto de violência doméstica.
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal no Mandado de Injunção Coletivo 7452 foi motivo de polêmica no meio social e jurídico nesta última semana, ao estender a aplicação da Lei Maria da Penha a homens em relações homoafetivas, mulheres transexuais e travestis em situações de violência doméstica ou familiar, como forma de demonstrar proteção mais abrangente e inclusiva.
Não abordarei aqui as relações que envolvem travestis ou transexuais, somente relações homoafetivas masculinas em contexto de violência doméstica.
O relator do caso, Ministro Alexandre de Moraes, enfatizou que a omissão legislativa criava uma lacuna na proteção contra a violência doméstica em relações homoafetivas ao argumento de que, embora a Lei Maria da Penha tenha sido originalmente concebida para proteger mulheres em contextos de subordinação cultural, é possível estender sua aplicação a casais homoafetivos masculinos, “desde que presentes fatores que coloquem a vítima em posição de subalternidade na relação.” (fonte: Síntese Criminal)
Afinal, a decisão discrimina ou não discrimina os homens heterossexuais?
Para responder a esta pergunta, precisamos entender o malabarismo jurídico que a justiça brasileira tem feito, transformando a Lei Maria da Penha em colcha de retalhos para acobertar, não somente a mulher, mas todos aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade em contexto de violência doméstica.
Antes de tudo, observo que a decisão sequer estabeleceu critérios claros sobre a vulnerabilidade nas relações homoafetivas masculinas, o que nos cabe refletir, senão vejamos:
Um homem bissexual se relaciona com pessoas do mesmo sexo e do sexo oposto e, caso alguma situação de violência ocorra dentro de uma relação homoafetiva ele terá, a partir de agora, a proteção do estado pela Lei Maria da Penha.
Já uma mulher bissexual, caso esteja em uma relação homoafetiva onde ocorra alguma situação de violência, esta será vítima e será acobertada pela proteção da Lei Maria da Penha enquanto a outra mulher será a AGRESSORA que será punida pela mesma lei.
Vejamos agora o que acontecerá com aquele mesmo homem bissexual que trouxemos como exemplo, se relacionando com a mulher bissexual agressora, que relatamos.
Teremos agora uma relação heterossexual e pela lógica da lei, a mulher, embora menos “vulnerável” naquela relação homoafetiva terá a proteção da Lei Maria da Penha pelo fato de SER MULHER e o homem, gay e “vulnerável” naquela relação homoafetiva, neste caso não terá a proteção que usufruía anteriormente.
Antes de prosseguirmos nesta análise, convém dizer que o fundamento do STF para esta decisão se baseia no critério de vulnerabilidade e não apenas no de gênero ou orientação sexual.
Isso como se a Lei Maria da Penha tivesse surgido para proteger vítimas em situação de desigualdade dentro do ambiente doméstico ou familiar, onde há um padrão de subordinação ou dependência, o que não é uma verdade, já que a Lei Maria da Penha parte de uma ação afirmativa de que a mulher é sempre a parte vulnerável da relação.
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No entanto, a postura do STF neste julgamento é casuística, pois criou tratamento desigual entre homens discriminando acintosamente os homens heterossexuais, ao não proteger os que possam viver em relacionamentos abusivos, de dependência e/ou subordinação com mulheres.
Homens heterossexuais em relações abusivas podem estar em situação de vulnerabilidade, sofrendo violência psicológica, emocional e física, mas não usufruem de uma legislação específica que os proteja da mesma forma que a Lei Maria da Penha protege as mulheres e agora também certos grupos masculinos.
Em resumo: um homem bissexual ao se relacionar com uma mulher nunca estará em contexto de subordinação ou vulnerabilidade, mas se estiver com outro homem, a situação de desigualdade lhe beneficiará.
Já um homem heterossexual pode se encontrar vulnerável em uma relação abusiva com uma mulher, mas como a violência feminina contra o homem não reflete um contexto histórico e estrutural de opressão, logo não será possível a ele beneficiar-se do julgamento do STF em questão, sob nenhuma hipótese.
Percebem que o debate sobre esse tema há muito deixou de ser jurídico para ser político-ideológico, marginalizando o homem (agora somente os homens heterossexuais) em razão de uma eterna e impagável dívida patriarcal?
Estamos no século XXI e precisamos entender que esse resquício do patriarcado precisa ficar cada vez mais no passado para deixar de ser algo tão estruturante dentro da justiça brasileira.
Rogério Sanches[1] leciona que o STF decidiu apenas a aplicabilidade de Medidas Protetivas de Urgência para os homossexuais masculinos até que sobrevenha legislação específica, o que torna ainda mais desnecessária a decisão já que homens (homossexuais ou não) podem se valer do art. 319 do Código de Processo Penal.
Se para cada grupo de pessoas surgir lei específica de proteção, estaremos fadados a reconhecer a falência do sistema de combate de violência contra a mulher para entender como “sistema de combate aos homens heterossexuais”.
Apenas a título de informação, agravando este quadro, sabiam que atualmente a legislação brasileira dá mais proteção a animais domésticos do que aos homens (héteros)?
O conceito de violência contra animais será definido pela primeira vez pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária e há previsão de que animais podem ser vítimas de violência psicológica, mas, homens não!
Ora, se a decisão do Supremo, casuística, veio para reforçar o princípio da igualdade, assegurando que a proteção legal contra a violência doméstica seja acessível a todos, independentemente de identidade de gênero ou de orientação sexual, que se amplie a proteção contra a violência doméstica para qualquer vítima vulnerável, independentemente de gênero ou de orientação sexual, adotando medidas eficazes de proteção a todos os cidadãos, avaliando a situação de opressão, porventura existente, caso a caso.
[1] Promotor de Justiça do Estado de São Paulo
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