BRASIL - A jornalista e escritora Daniela Arbex, 52, voltou ao palco do Prêmio Jabuti em 2025 para receber o troféu de Livro Reportagem por “Longe do Ninho”, obra que mergulha na tragédia de 8 de fevereiro de 2019, quando dez adolescentes da base do Flamengo morreram em um incêndio no alojamento do Ninho do Urubu. Foi uma noite de enorme emoção para a autora, que já havia conquistado o prêmio em 2014 e 2016, mas afirma que esta foi a vitória mais marcante de sua carreira.
“De todas as vezes que participei do Jabuti, essa foi a que mais me emocionou”, disse ela em entrevista à CNN Brasil. “Pelo que o livro envolveu, pelos desafios e por termos derrubado a narrativa de que os meninos morreram dormindo, como se isso minimizasse a dor”.
A premiação veio dias após a Justiça absolver os sete réus do caso, decisão que o Ministério Público recorreu. Para Daniela Arbex, a coincidência apenas reforça a importância de registrar essas histórias com rigor e responsabilidade. “Quando a Justiça falha, ainda há a memória. E Longe do Ninho jamais será esquecido”.
A imagem que mudou tudo
Assim como em seus livros anteriores, o encontro de Daniela com essa história veio por meio de alguém diretamente afetado pela tragédia. Uma das mães das vítimas, que conhecia o trabalho da jornalista, procurou-a meses após o incêndio. Do contato constante entre as duas, surgiu o momento decisivo: uma foto enviada pela mãe, mostrando o filho goleiro dormindo abraçado à bola.
“O avô disse a ele que, para ser um bom goleiro, precisava ter intimidade com a bola. Ele passou a dormir com ela”, relata a autora. “Quando vi aquela imagem, soube que precisava contar essa história”.
Até receber aquela foto, Arbex não conhecia o nome de nenhum dos meninos. A partir dali, decidiu mergulhar no caso e dar rosto, voz e dignidade a cada uma das dez vítimas e também aos 16 sobreviventes.
Daniela Arbex reconstroi a verdade
Em “Longe do Ninho”,Daniela Arbex realizou uma investigação minuciosa sobre o incêndio, detalhando falhas estruturais e irregularidades no centro de treinamento. A perícia apontou uso de materiais inflamáveis, janelas gradeadas e apenas uma porta de entrada e saída, fatores que dificultaram a fuga dos adolescentes.
“Dizer que a perícia foi inconclusiva é faltar com a verdade”, afirma a autora. “Os problemas estavam todos lá”.
O livro é, segundo ela, um documento de memória que se contrapõe à “cegueira da Justiça”. Para muitas famílias, o prêmio Jabuti veio como um gesto de reconhecimento público. Uma das cenas mais marcantes para Arbex foi ouvir o pai de uma das vítimas dizer, emocionado, que a vitória era “uma resposta das famílias à Justiça”.
Escolhida pelas histórias e não o contrário
Arbex é conhecida por investigar tragédias que deixaram marcas profundas no país. Holocausto Brasileiro, Cova 312, Arrastados, Todo Dia a Mesma Noite e agora Longe do Ninho compõem uma trajetória de 30 anos pautada pela busca da verdade e pelo compromisso com a memória coletiva.
Ela explica que nunca escolhe suas histórias racionalmente, são elas que chegam até ela.
Foi assim quando recebeu as fotos do Hospital Colônia de Barbacena; quando familiares de uma engenheira desaparecida em Brumadinho pediram ajuda; e agora, com a história dos meninos do Ninho do Urubu, que chegou primeiro através da dor de uma mãe.
Essa conexão sensível, afirma a autora, é o que a move: “Sou uma construtora da memória coletiva do Brasil. Assumi esse compromisso”.
Os desafios da investigação: passado distante x tragédia recente
Para Arbex, investigar tragédias recentes é emocionalmente mais desafiador. O rompimento da barragem de Brumadinho, o incêndio da Boate Kiss e o caso do Ninho do Urubu aconteceram em uma época muito próxima, atravessando o país e suas próprias sensibilidades.
No Ninho do Urubu, conseguir que todas as dez famílias falassem foi fundamental. “Não era a história de nove meninos. Era de dez. Todos mereciam ter suas memórias honradas”.
Já obras como Holocausto Brasileiro permitiram um olhar com maior distanciamento temporal, ainda que igualmente complexo em rigor e aprofundamento.
Histórias do Brasil, mas com o olhar para o mundo
A autora admite que tem interesse em investigar episódios internacionais, especialmente ligados à Segunda Guerra, mas afirma que seu compromisso é com as histórias brasileiras e com a representatividade que elas exigem.
Como spoiler, ela adiantou que seu próximo livro se passará em vários países e tem previsão de lançamento para o segundo semestre de 2026.
Os livros de Arbex já ganharam vida em produções de enorme alcance. A série Todo Dia a Mesma Noite, inspirada na tragédia da Boate Kiss, tornou-se um sucesso global na Netflix, alcançando o top 10 em vários países. Holocausto Brasileiro também foi adaptado para o audiovisual, assim como Arrastados, atualmente em produção pelo Globoplay.
Em todas as adaptações, ela participa como consultora criativa, exigência contratual e também compromisso moral.
“Tenho que cuidar para que as histórias sejam retratadas da forma mais fiel e digna possível”, diz.
Com “Longe do Ninho”, Daniela Arbex não só entrega mais uma investigação rigorosa, como reforça seu papel essencial na construção da memória coletiva brasileira.
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