Além das fronteiras da carne
Confira a coluna desta semana da sexóloga e educadora sexual Monica Moura.
No Hospital Aldenora Bello, onde presto atendimento aos pacientes com câncer de próstata, me encanto e me entusiasmo com as histórias ali relatadas. O ofício da clínica de sexualidade se entrelaça com a gratidão de poder estar ali.
Atendi idosos de conexão invejável, como se o amor entre eles fosse uma narrativa que transcende as fronteiras da intimidade física há muitas décadas. É lindo ver um casal, agora idoso, encontrando outras formas de se conectar, de compartilhar o calor de suas almas.
Os anos passam velozes e furiosos, esculpindo sulcos profundos em seus rostos, e nem isso consegue enfraquecer a cumplicidade que existe entre eles. Ainda tenho memorizado o olhar do Seu Joaquim, sábio e gentil, encontrando o reflexo do amor de juventude nos olhos da Dona Elisa, que brilham ao ouvir ele declarar a sua beleza.
O quarto, outrora um lugar de fervorosas paixões, se transformou em um santuário de tranquilidade e confiança. Não é um afastamento, mas sim uma metamorfose do amor, uma mudança natural que ambos aceitaram sem questionar. Afinal, a verdadeira intimidade agora reside em gestos sutis e palavras não ditas. Eles se entendem e conversam assim.
Inevitavelmente, me remeto a uma lembrança dos meus avós. Com o aroma do café recém-coado permeando cada canto da casa, eles sentavam à mesa da cozinha, compartilhavam histórias de tempos passados, rindo das travessuras da juventude e sussurrando segredos que apenas eles conheciam.
Dona Marina, viúva, com seus cabelos prateados e mãos que contam histórias próprias, encontrou consolo nos braços do Seu Raimundo. Não são paixões efêmeras, mas uma certeza de que ali existe um porto seguro. Seu Raimundo, por sua vez, acalenta o coração de sua amada com a ternura que ela se agrada, sem pressa, sabendo que o verdadeiro amor não necessita de demonstrações carnais.
Seu Pedro e Dona Rita já escolheram o seu banco de madeira na praça da cidade. Ao baixar do sol, eles observam os netos correndo pelas ruas enquanto deixam que o silêncio dos seus ouvidos (já débeis) lhes conte sobre a felicidade mais do que os sons seriam capazes de contar.
À noite, Seu Mário e Dona Joana aconchegam-se sob os lençóis macios, compartilhando o calor de seus corpos e sussurrando promessas de amor eterno. Não todos os dias, só quando eles lembravam - ela confessou. Não é um fogo ardente, mas sim uma chama constante, uma luz que ilumina o caminho de suas vidas, imagino.
E assim, no suporte aos pacientes com câncer, venho aprendendo histórias de vários amores, alguns não tão poéticos quanto outros, mas todos são amores. A Sexologia Clínica não fala apenas sobre a intimidade física. Venho aprimorando com eles algo muito mais profundo e duradouro - um amor que se manifesta nas pequenas coisas, nas entrelinhas do silêncio e na certeza de que ele está além das fronteiras da carne.
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