(Divulgação)
COLUNA
Kécio Rabelo
Kécio Rabelo é advogado e presidente da Fundação da Memória Republicana Brasileira.
KÉCIO RABELO

O Velho Cais – Parte II

Toinho ficou em silêncio por um tempo. O barco já era só uma sombra no horizonte, mas a pergunta ainda navegava dentro dele.

Kécio Rabelo

Toinho ficou em silêncio por um tempo. O barco já era só uma sombra no horizonte, mas a pergunta ainda navegava dentro dele.
— E se o vento parar, seu Theodoro?
— Ah, menino… às vezes ele para mesmo.

O velho suspirou. Olhou o céu, como quem procura respostas no alto.

— Tem hora que o vento some, o mar se revolta, a bússola gira sem parar. É aí que a gente tem que lembrar por que embarcou.
— E se a gente esquecer?
— Aí, meu filho, a gente se apega ao que sente. Porque o coração, esse danado, nunca esquece do que fez ele bater mais forte. Com as batidas, a gente se transporta — na maioria das vezes, a lugares que só cabem a nós mesmos. São os segredos da alma… e eles são necessários pra viver.

Toinho olhou o mar, mas agora não procurava mais o barco. Procurava algo dentro.
— Tem dias que eu fico com um aperto… parece que tá faltando alguma coisa.
Theodoro assentiu com a cabeça, devagar.
— Tem nome isso, menino. É saudade do que a gente ainda não viveu. É o sonho chamando, baixinho. Essa tal liberdade pra qual todos nós nascemos.

O menino ficou quieto. Apertou os joelhos contra o peito, como se quisesse se proteger do que não sabia nomear.
— Mas e quando dá medo? Quando parece que não vai dar certo?
— O medo… — disse o velho, com a voz branda — é só o jeito do sonho perguntar se a gente quer mesmo continuar. Ele é irmão gêmeo da coragem — andam juntos. No medo, a gente tem a chance de mudar a rota.

O silêncio voltou a soprar entre os dois, como a brisa que agora vinha mais fria, soprando sobre as águas turvas do Rio Bacanga, anunciando que a noite queria pousar.
— Sabe, Toinho, viver é como remar sem ter certeza se o outro lado existe. Mas a gente rema. Porque tem coisa que empurra a gente mesmo sem vento. Essa persistência… dá sentido à vida.
— Tipo o quê?
— Tipo o amor — essa realização que todo mundo persegue. Tipo a vontade de ser mais do que disseram que a gente podia ser. Tipo essa dorzinha aí dentro que você sente — e que eu também sinto, até hoje.

Toinho olhou pro velho, surpreso.
— O senhor também sente, seu Theo?
— Todo dia, menino. Tem gente que chama de vazio. Eu prefiro chamar de espaço reservado pra tudo o que ainda há de vir.

O cais já estava escuro. Os lampiões da Praia Grande começavam a piscar, como estrelas atrasadas. Toinho se levantou, devagar, e antes de ir, perguntou:
— E se eu me perder no caminho?
Theodoro sorriu, com o mesmo sorriso de quem vê um velho amigo partindo.
— Se perder também faz parte. O importante é continuar indo. Quem sonha de verdade nunca está totalmente perdido — só navegando mais fundo.

E o menino foi, com o vento agora soprando pelas costas.


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