Miguel Falabella passou mais de vinte anos com o roteiro de “Veneza” na gaveta. Ele se apaixonou pela peça homônima argentina sobre garotas de programa que tentam ajudar a dona do bordel a realizar o sonho de ir a Veneza reencontrar um amor perdido.
Adicionou a história de um casal que o encantou por ser tão diferente de tudo que já tinha visto: “Há muitos anos, eu frequentava o cabaré Casa Nova na Lapa, e conheci uma trans casada com uma garota de programa. Era diferente, mas eles eram felizes. Lembro que a mulher trans disse que não tinha nada em casa, então a garota de programa disse: 'vou ali rapidinho e volto com dinheiro'. Nunca saiu da minha cabeça", contou.
Desse encontro entre fantasia e realidade nasceu o filme “Veneza”. Ele conta a história da Gringa (Carmen Maura), que abandonou um amor na juventude para ser a dona do seu próprio bordel.
Ela forma uma família de coração com as mulheres que trabalham para ela: Rita (Dira Paes), Madalena (Carol Castro), Jerusa (Danielle Winits) e Mocinha (Laura Lobo). Quem completa a casa é Tonho (Eduardo Moscovis), filho de uma antiga colega de Gringa e que se tornou o faz tudo e protetor do local.
Com idade avançada e problemas de memória e lucidez, ela pressiona cada vez mais as meninas para que a levem à sua tão sonhada Veneza. No meio desse “deus nos acuda”, cada uma delas precisa lidar com horas de sexo atrás de recursos para a viagem, violência, problemas pessoais e a decisão de ir ou não atrás dos seus próprios sonhos.
“É um filme que fala de artistas, de mulheres marginalizadas pelas suas condições, pessoas de fronteira, então eu vejo elementos muito da atualidade. É um filme que você vai assistir, depois vai sair pra jantar e poder falar de vários personagens”, diz Dira.
“São meninas mulheres com sonhos. E no filme estão todas essas nuances dessas mulheres. A que vai em busca do futuro, a que se contenta em estar ali, é agradecida pelo que tem A personagem da Dira que é a que gostaria de ter um sonho, mas acaba vivendo esse sonho através do sonho da Gringa”, explica Winits.
Tem muita nudez e muito sexo, mas também muita ternura e magia durante os 90 minutos do longa. Ele herda o realismo fantástico de grandes autores da latino-americanos e também homenageia o cinema e as artes, do escritor Giaccomo Casanova ao cineasta Federico Fellini.
Sem direito de sonhar
Antes de qualquer coisa, é uma fábula fantástica sobre sonhos e possibilidades. Para os atores, ele chega em uma hora que esses dois elementos foram tirados dos brasileiros.
“Neste momento do mundo, especialmente do nosso país, isso ganha uma dimensão muito grande. Eu vejo amigos sendo vacinados. Mas a gente vive ainda uma realidade muito maluca, muito instável e que nos deixa muito expostos. A gente poder lançar ‘Veneza’ hoje, apesar de não ser o momento mais propício comercialmente, tem uma mensagem subliminar grande”, diz Moscovis.
O ator chorou ao falar sobre as dificuldades da classe artística. “A gente está sendo tão massacrado. [Fazer arte] é muito diferente do que uma extrema de ódio acredita, a gente não tem uma vida boa, a gente não tem dinheiro sobrando, não rouba o dinheiro de ninguém, a gente é muito honrado, trabalha muito. Só o Miguel e o Júlio [Uchôa, produtor do filme] sabem o que eles fizeram pra colocar essa barca de pé.”
Para Paes, o objetivo do filme é devolver a capacidade de sonhar. “A mensagem principal é que o sonho é um dos ingredientes fundamentais que contribuem muito para o foco. O sonho alimenta uma racionalidade, ele te organiza, te coloca no lugar”, defende Paes. “Tem aquela pessoa que não quer sonhar, tem aquela pessoa que tá num lugar e sabe que aquele não é o seu sonho, é o sonho do outro.”
Pane elétrica e dificuldade de patrocínio
Falabella encontrou muita resistência para por o projeto na rua. “Nunca me coloquei numa prateleira, mas as pessoas têm tendência a fazer isso. Como fiz comédia popular, fica complicado. Sempre que eu oferecia o roteiro, perguntavam se era comédia. Aí quando eu dizia que era uma fábula, desistiam”.
Ele diz que foi um filme com orçamento apertado, por isso teve que condensar as gravações em 28 dias, com 3 em Veneza propriamente, e sem poder levar o elenco todo.
O circo em que boa parte das cenas se passa era de uma pequena família circense uruguaia. Quando eles enfrentaram uma tempestade e pane elétrica, a estrutura desmoronou. “O dono chorava olhando o circo desfeito. A produção abraçou a família. A gente viu a união das equipes do Brasil e do Uruguai se unindo pra fazer tudo acontecer”, conta Moscovis.
O fenômeno Carmen Maura
A Gringa do filme é uma gringa de verdade: a atriz espanhola Carmen Maura, que protagonizou vários filmes do diretor Pedro Almodóvar, como “Mulheres à beira de um ataque de nervos” e “Volver”.
Ela topou o projeto por intermédio outro ícone do cinema, a argentina Norma Aleandro, protagonista do vencedor do Oscar “A história oficial”. Com vontade de fazer algo para o Brasil, Maura aceitou o papel assim que leu o roteiro.
Nas filmagens, encontrou duas dificuldades: não entendia português e não era capaz de enxergar as atrizes por conta da caracterização para a personagem cega.
“Então ela me abraçou e disse que queria ouvir minha voz, se acostumar com minha voz”, contou Dira Paes. Para diferenciar cada uma delas, a atriz brincava de tocar os peitos. A brincadeira deu tão certo que foi incorporada no filme.
Saiba Mais
Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais X, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.