(Divulgação)
COLUNA
Gabriela Lages Veloso
Escritora, poeta, crítica literária e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Gabriela Lages Veloso

As muitas águas

Reproduzo aqui o texto da escritora e professora Thalya Amancio acerca do meu primeiro livro de poesia, intitulado O mar de vidro (2023).

Gabriela Lages Veloso

Atualizada em 18/07/2024 às 10h36
Ilustração: Bruna Lages Veloso
Ilustração: Bruna Lages Veloso

O mar de vidro (2023), da maranhense Gabriela Lages Veloso, é um livro que reúne quarenta e quatro poemas, divididos em três partes: Gaia, Vênus e Atena. Quase que simetricamente postos (quinze na primeira parte; quatorze na segunda e quinze na terceira), os poemas resgatam a poética e mítica clássica, greco-romana, como muitos/as poetas o fazem, na nossa contemporaneidade (alguns exemplos são Lívia Natália e Guilherme Gontijo Flores). Porém, O mar de vidro vai além, mostrando e trabalhando com as relações sociais, históricas e culturais, entre a coletividade, a natureza/entorno onde habitamos, nos construímos e vivemos; bem como, o que existe dentro de cada um/uma de nós. 

Notamos em vários versos essas relações difíceis, duras, mas possíveis entre o interior e o exterior. As referências literárias do livro caminham entre a literatura brasileira e a ocidental já comentada, vindas da Grécia e de Roma. No primeiro caso, vemos as vozes e a parodização de João Guimarães Rosa, Cecília Meireles, Clarice Lispector e a Música Popular Brasileira (MPB), com o discurso que faz uma resposta a músicas, como, Apesar de Você. É perceptível o trabalho com múltiplas vozes e obras multissemióticas, com variadas linguagens.

Há poemas sociais, como “Macabéa”, protagonista do romance A Hora da Estrela (1977) de Clarice Lispector, uma referência basilar para a poeta, como é possível notar desde a epígrafe de O mar de vidro, que traz um trecho do romance Água Viva (1973), que também revela a significação e a construção dos discursos da poeta maranhense: “Espelho? Esse vazio cristalizado que tem dentro de si espaço para se ir para sempre em frente sem parar: pois espelho é o espaço mais fundo que existe” (Lispector, 1973, p. 55). 

O questionamento dos versos de “Macabéa” nos orienta a pensar ‘quem somos nós?’, uma pergunta realizada e ecoada em diversos poemas filosóficos, existencialistas e questionadores de nossas realidades atemporais e atuais: quem somos e quem fomos antes, durante e depois da pandemia? Como nordestinas e nordestinos, não seríamos também um pouco ‘Macabéas’, visto que somos e continuamos apagados e invisibilizados dentro da literatura brasileira e dos contextos históricos, culturais e sociais brasileiros? “Macabéa até quando aceitarás/ o destino que te impuseram? / Até quando permanecerás invisível?” (Veloso, 2023, p. 46).

O eu-lírico parece tomar a forma masculina em vários poemas de O mar de vidro (2023), mas também existe a voz feminina e sem gênero que nutre a seiva das poesias que permeiam os encontros e desencontros entre o que é nosso, humano, e o que não é (muitas vezes também criado por nós e nossas humanidades e desumanidades): as cidades; a poluição; a solidão; a violência, os nossos sentimentos ambíguos, etc. Assim, o eu-poético observa e questiona o real, o existir e o resistir diante das quebras e opressões. Existe e persiste uma linearidade e uma conexão entre passado e presente nas palavras. 

Gaia, a grande mãe que nos criou, é o recomeço de tudo. Ela ganha voz e nos conta o que é, e como se constitui. Já Vênus é a beleza e a estética, aquilo que primeiro enxergamos e construímos ao redor do que somos, a primeira parte vista no espelho, um dos mares de vidro, ou o próprio “mar de vidro”, que reflete o que somos, mas traz muito mais: “és o poço mais profundo que existe./ Em uma só mirada/ atravessas as barreiras/ do tempo e da vida. / Mágico, sombrio ou / verdadeiro, apenas,/ és um mar de vidro” (Veloso, 2023, p. 36). Primeiro vislumbramos, enxergamos e depois, reparamos e buscamos a mudança. 

Por fim, com Atena, revisitada e aprofundada, imergimos totalmente, nas águas que nos habitam e nos constroem, sentindo e racionalizando o que somos, por meio das palavras. Seguimos uma linha e um fio vital da obra, mergulhando na poética de Gabriela Lages Veloso. Da criação, da origem, adentramos passo a passo no abismo oceânico, imergindo finalmente nos mares que existem na obra: o ser humano, o que existe dentro e fora de nós. Aliás, o externo a nós também nos constitui, é um reflexo do que somos. 

O mar de vidro (2023), de Gabriela Lages Veloso, contém poemas de linguagem bela, sonora e melódica, de simples acesso, o que garante que mais pessoas possam ler, e o que revela a sua contemporaneidade e tempo de produção, mesmo que não deixe de apresentar múltiplos sentidos e significações, principalmente quando paramos para analisar cada palavra escolhida cuidadosamente para compor os seus versos.

É, portanto, uma revisita e uma nova forma de enxergar com mais calma o que somos, imergindo para além dos hologramas que apresentamos, uma possibilidade que apenas a arte e a poesia nos trazem, a quebra e desconstrução do automatismo de nossas vidas e vivências. A desconstrução de nosso olhar cotidiano automatizado: “Escrever é libertar-se de si mesmo./ É poder recriar o mundo / com o poder da palavra. / […] Escrever é ora um alento, ora um desconsolo./ É transitar entre mundos, eras e seres” (Veloso, 2023, p. 54). 

 

REFERÊNCIAS:

LISPECTOR, Clarice. Água Viva [1973]. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2020.

__________. A Hora da Estrela. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

VELOSO, Gabriela Lages. O mar de vidro. Belo Horizonte: Caravana, 2023.

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SOBRE A ENSAÍSTA: Thalya Amancio é graduada em Letras Língua Portuguesa e suas Literaturas pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), campus FECLESC, Quixadá, no sertão central do Ceará. Pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura no Contexto Educacional pela Unicesumar (Educação à distância, EAD). Atualmente, cursa o Mestrado Interdisciplinar em História e Letras da FECLESC/UECE (MIHL). É pesquisadora nas áreas de Literatura Comparada, Análise do Discurso e Literatura Cearense, com enfoque no Romance Histórico e a perspectiva feminina nas obras da autora cearense Ana Miranda.

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O mar de vidro está disponível para venda no site da Caravana Grupo Editorial:

https://caravanagrupoeditorial.com.br/produto/o-mar-de-vidro/

 

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