Quando Aristóteles Encontra a Moda: A Tragédia de Uma Adolescente e o Desprezo pelos Clássicos.
É evidente a ruína educacional em que as faculdades de filosofia se encontram por desprezarem a formação literária no percurso de aprendizagem.
Tive que ir ao shopping resolver algumas coisas. Enquanto aguardava, aproveitei para dar uma passada em uma banca de livros. Lá estava eu, sem nenhum interesse em adquirir algum exemplar, apenas folheando uma coisa ou outra, quando uma adolescente de aproximadamente 15 ou 16 anos me abordou, confundindo-me com o livreiro que havia saído para ir ao banheiro e não retornara. Ela queria saber se havia livros de "Aristóteles e Dante". Levantei a sobrancelha, um tanto surpreso. "Uma jovem buscando boa literatura, afinal", pensei.
Satisfatoriamente, respondi — esquecendo-me de alertá-la de que não trabalhava no local — que havia visto uma edição da Divina Comédia na prateleira do fundo, mas nenhuma obra de Aristóteles. "Se tiveres interesse, ali está O Banquete, de Platão", disse. Ela sorriu, um tanto confusa, esclarecendo que não era isso que procurava. Então explicou que estava atrás de um livro chamado Aristóteles e Dante. Diante do meu desconhecimento da obra, a jovem se afastou, um tanto frustrada, pelo que percebi.
Resolvi procurar no Google o peculiar título do livro misterioso e descobri que a obra se chama Aristóteles e Dante Descobrem os Segredos do Universo. O enredo vocês conferem abaixo.
‘O livro é dividido em seis seções. Narrado por Aristóteles, o livro mostra os processos de descoberta homossexual dos dois adolescentes, enquanto eles passam pelos fenômenos da puberdade.”
Era bom demais para ser verdade, como dizem.
Mas engana-se quem pensa que o gosto pela boa literatura encontra barreiras apenas entre adolescentes confusos. Infelizmente, adultos, funcionários públicos, políticos e até mesmo professores nutrem pelos clássicos um certo desprezo ignorante, quando não uma completa ojeriza. Como professor de filosofia nas escolas públicas de São Luís e Paço do Lumiar, pude, por diversas vezes, ser testemunha desse desprezo. E não há nada que machuque mais meu coração de educador do que ver um colega de profissão que não nutre o necessário amor pelo conhecimento.
Pitágoras definiu a filosofia como philo (amor) e sophia (sabedoria), ou seja, amor pela sabedoria. No entanto, o que constatei, desde a época da universidade, é que na faculdade de filosofia se encontra de tudo, menos philo e, muito menos, sophia.
Falei em universidade e me recordo de que, na época em que estudei na maior instituição do Maranhão, a UFMA, o que mais ouvia eram palavras e expressões de desprezo, acompanhadas de um certo ar de superioridade, ao mencionar o nome do filósofo brasileiro Olavo de Carvalho. Uma das acusações mais frequentes era de que o professor Olavo era “astrólogo” e, por isso, não teria a “seriedade acadêmica” necessária para ser levado a sério dentro dos muros da universidade. Como se, ao longo da história, os universitários fossem neutros e nunca inclinados ao esoterismo.
Nem vou comentar o fato gritante de que Olavo se dedicou à astrologia em um período de sua vida intelectual, mas que, pelo menos vinte anos antes de sua morte, em 2022, já havia abandonado essa prática para se dedicar a outros assuntos.
O fato é que tais críticos de narizinho em pé, ignoram por completo que, no final do século XVI e início do século XVII, o que a Renascença tinha de pesquisa científica e avanços nas artes, também tinha de estudos de magia e esoterismo. Os pensadores renascentistas mesclavam estudos acadêmicos com práticas como geomancia, astrologia, alquimia, necromancia, entre outras. É impossível separar, nessa época, o esotérico do cientista, o acadêmico do mago, o filósofo do ocultista. A universidade estava repleta desse tipo de conhecimento. Muitos autores estudados e reverenciados na academia brasileira da época estavam profundamente envolvidos com bruxaria. Mas aceitar um filósofo que estudou astrologia há vinte anos, abandonando essa área para seguir outros interesses, como o estudo da obra de Aristóteles (estudo que culminou no lançamento de Aristóteles em Nova Perspectiva, a mais original contribuição feita sobre o estagirita em solo nacional) aí já é demais. "Onde já se viu? Um comentário inédito na história da filosofia vindo de um astrólogo aposentado? Temos que manter a seriedade acadêmica!" — Porca miséria.
Mas voltemos ao assunto principal; a UFMA já me tomou cinco anos de vida, não precisa raptar também, como uma Súcubos moderna, a energia vital que uso para escrever este texto.
Alain (Émile-Auguste Chartier) dizia que a literatura não é menos formativa que a filosofia. É evidente a ruína educacional em que as faculdades de filosofia se encontram por desprezarem a formação literária no percurso de aprendizagem. Centenas de professores são formados todos os anos sem aquilo que Alain denominava "a força por trás da oralidade do magistério".
Ademais, a literatura surgiu antes da filosofia. O processo natural para qualquer estudante dessa área seria mergulhar de cabeça em obras literárias para expandir seu imaginário, podendo então, e só então, tratar das questões filosóficas. A literatura, como todo campo artístico, é o solo fértil onde estão condensadas as formas simbólicas que, uma vez absorvidas e integradas à personalidade, se transformarão em Filosofia, Ciência, Direito etc.
Infelizmente, em nossas universidades, praticamente nenhum aluno de filosofia segue este conselho. Esbravejam citações de Hegel, Descartes, Nietzsche, Kant e Rousseau (estes dois últimos, queridinhos da "turminha ufmista"), mas não sabem nada sobre Homero, Camões, Fernando Pessoa, Goethe ou o nosso Gonçalves Dias, poeta maranhense.
Termino com um trecho no qual Olavo de Carvalho esclarece a importância do mergulho nos clássicos da literatura:
A primeira coisa a fazer, caso queira realmente alcançar um conhecimento, é descrever ou expressar a experiência. Isso já é um problema terrível, um desafio literário monstruoso; a maior parte de nossos estados acaba desaparecendo da nossa memória, porque não temos a capacidade de expressá-los em palavras. Assim, não adquirem uma forma constante e repetível. Temos de buscar meios de acesso a esses estados. Felizmente, as suas formas mais constantes e repetíveis estão registradas nas grandes obras de literatura. Cada soneto de Camões tem uma forma eternamente repetível, e essa forma, quando o indivíduo toma conhecimento dela, produz nele a mesma emoção, uma experiência análoga. Sem um análogo verbal da experiência, você não é capaz de retê-la (embora se possa também recorrer a análogos visuais – como aqueles que encontramos nos sonhos ou nas obras de um Velázquez, de um Poussin).
Olavo de Carvalho. Introdução à filosofia de Louis Lavelle. Pg 76.
São Luís, dia de Santa Ângela Mérici.
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