Professor Universitário comenta palestra “educando com o c...”, acontecida na UFMA
As Universidades Federais nunca estiveram tão distantes do mundo real e da população brasileira que as sustentam com impostos pesados, sendo a maioria pagos pelos mais pobres.
Todos acompanhamos, atônitos, o que aconteceu recentemente na Universidade Federal do Maranhão. O vídeo do travesti balançando a bunda enquanto cantava músicas pornográficas circulou por todos os grupos de Whatsapp. O fato foi comentado por diversos veículos de mídia. Ainda estou preparando um texto sobre o assunto. Enquanto isso, gostaria de compartilhar com os leitores desta coluna um belíssimo texto feito pelo Dr. Wellington Amorim. O Dr. Wellington foi, por muito tempo, professor da Universidade Federal do Maranhão e pode falar com propriedade e conhecimento de causa sobre a decadência que tomou conta de muitos departamentos daquela Instituição. Aqui me despeço, deixando-vos com o professor Wellington:
O SENTIDO DA DECADÊNCIA NAS INSTITUIÇÕES NO BRASIL: será o abismo?
Prof. Dr. Wellington Lima Amorim
Professor Associado Universidade Federal do Rio Grande do Sul E-mail: wellington.amorim@gmail.com
Dois eventos noticiados nas últimas semanas me chamaram a atenção:
1 - Durante um evento acadêmico “científico” realizado na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), uma performance da artista trans Tertuliana Lustosa gerou grande repercussão. Lustosa, que também é integrante da banda "A Travestis", participou de uma mesa redonda no "Encontro de Gênero", onde realizou uma apresentação com uma performance pornográfica.
Quem me conhece sabe que não tenho nada contra a liberdade de costumes e expressão. Porém, precisamos considerar que em certo momento, ela subiu em uma cadeira e, com parte do corpo exposto, interpretou uma de suas músicas, que faz parte de um conteúdo provocativo relacionado ao conceito de “traveco-terrorismo” e educação descolonial de gênero. O conceito de "traveco-terrorismo" busca, segundo seus adeptos, questionar as normas tradicionais sobre gênero, identidade e resistência, combinando arte e ativismo. O termo reflete a ideia de "terrorismo cultural", isto é, uma prática disruptiva que desafia normas e convenções da sociedade hegemônica por meio de provocações artísticas e performáticas, além de uma crítica à exclusão e à marginalização das identidades trans e travestis. Para Lustosa, essa prática visa, de forma irônica e crítica, desestabilizar as concepções binárias de gênero e as ideias conservadoras que, segundo ela, ainda prevalecem no ambiente acadêmico e na sociedade em geral. Ou seja, ela apela para o conceito de terrorismo. Na minha opinião um conceito abominável, pode-se dizer um HAMAS cultural, não tendo sentido construtivo, mas destrutivo; ela quer educar com o C…, afinal.
A UFMA emitiu uma nota informando que está conduzindo uma investigação para apurar o caso, buscando entender os detalhes e as circunstâncias do ato. Esse episódio levanta um debate sobre os limites da liberdade de expressão em espaços acadêmicos e a importância de assegurar um ambiente que promova o diálogo respeitoso. A UFMA ainda não anunciou as medidas que serão adotadas após a conclusão da apuração interna.
2 – Por outro lado, neste mesmo mês ocorreu um "baile funk" em um quartel da Brigada de Paraquedistas no Rio de Janeiro que gerou repercussão após a divulgação de vídeos nas redes sociais que mostram os soldados dançando e comemorando dentro da unidade militar, com músicas de funk proibidão e bebida alcoólica sendo consumida em horário de expediente. Segundo o Exército Brasileiro, o evento não foi autorizado e desrespeitou as normas militares, levando a consequências disciplinares para os envolvidos, sendo aberto inquérito policial militar. Os militares que participaram da festa foram punidos e o comando do Exército anunciou uma investigação para apurar os detalhes e estabelecer as responsabilidades.
A instituição reforçou que o comportamento dos soldados viola o regulamento disciplinar das Forças Armadas, que exige dos integrantes uma conduta compatível com os valores militares. O episódio reacendeu debates sobre limites de comportamento em ambientes militares e o papel das redes sociais na exposição de práticas internas. A Brigada Paraquedista é uma das unidades mais tradicionais e respeitadas do Exército Brasileiro, e o incidente trouxe à tona discussões sobre a relação entre a cultura do funk — uma expressão marcante do Rio de Janeiro — e os limites de comportamento esperado em ambientes de alta disciplina, como os quartéis.
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Pois é, em um mundo onde as fronteiras entre o público e o privado se diluem cada vez mais, as redes sociais são espaços de intensa exposição pessoal e os valores parecem se dissolver diante da constante mudança, como diria Zygmunt Bauman. O sociólogo polonês, apresenta uma crítica afiada e profundamente humana do fenômeno. Em suas obras, Bauman discute como este novo contexto impacta a vida individual e coletiva, transformando nossa maneira de se relacionar e alterando radicalmente a ideia de privacidade.
A pós-modernidade surge como uma condição histórica e cultural que se afirma após o período conhecido como modernidade, marcada por avanços tecnológicos, racionalidade científica e pela busca por certezas, idealizava um mundo ordenado e regido pela razão. Porém, ao longo do século XX, os horrores de duas guerras mundiais, somados a mudanças econômicas e à rápida globalização, criaram uma sensação de instabilidade e incerteza. Bauman cunha a expressão “modernidade líquida” para descrever essa nova realidade.
Na sociedade líquida, as instituições, as tradições e as identidades que antes forneciam segurança passam a ser frágeis e instáveis. Esse conceito enfatiza a fluidez das relações e dos valores na sociedade pós-moderna: tudo é temporário e efêmero. Valores fixos e certezas, que antes sustentavam a identidade do sujeito, são substituídos por uma constante mudança e adaptação, o que Bauman descreve como um “mundo líquido” no qual as pessoas não encontram pontos de ancoragem. Na sociedade líquida a exposição de si mesmo ganha novas formas e significados. Bauman aponta que a própria ideia de privacidade e intimidade muda em um cenário onde as redes sociais desempenham um papel central na criação da identidade. Hoje, a intimidade tornou-se um espaço público – uma espécie de espetáculo no qual todos os detalhes da vida privada são compartilhados e, muitas vezes, incentivados a serem exibidos. Essa exposição de si, segundo Bauman, traz uma busca por aprovação constante, já que o reconhecimento se torna um valor essencial para o indivíduo pós-moderno.
No caso do incidente da UFMA perpassa pela exigência de grupos ressentidos de sua discriminação, mas que desejam esfregar sua intimidade, sem autorização dos demais, na cara das pessoas, não mantendo o distanciamento necessário do privado ou público, ou seja, não tendo respeito. Lembrando que a palavra “respeito” vem do latim respectus, que significa “olhar para trás” ou “considerar”. Derivada do verbo respicere, que combina re- (para trás) e specere (olhar ou ver), a palavra denota, de forma mais literal, o ato de olhar novamente, observar ou prestar atenção em algo ou alguém. Esse sentido original de “consideração” ou “atenção cuidadosa” evoluiu para o conceito de respeito como o entendimento e reconhecimento do valor ou da dignidade de uma pessoa, ideia ou regra. Enfim, o distanciamento necessário entre o Eu e Outro.
Na tradição filosófica e ética, o respeito se relaciona à ideia de reconhecimento e consideração pelas normas, direitos ou sentimentos dos outros, e também se expandiu para se aplicar a normas sociais, culturais e morais. O conceito de privacidade, que antes implicava um espaço de introspecção e de construção da identidade, se transformou em uma vitrine. O sujeito moderno, que antes encontrava realização na construção de uma identidade estável, agora busca validação nas reações efêmeras e nos “likes”. Segundo Bauman, nossa época é marcada pela precariedade e superficialidade das relações humanas. Na sociedade líquida, relacionamentos e conexões humanas são tratados como mercadorias, algo facilmente substituível e transitório. Essa lógica de consumo, aplicada aos relacionamentos, resulta na criação de laços mais frágeis, onde as conexões são desfeitas tão rapidamente quanto são estabelecidas.
Na era da pós-modernidade líquida, onde nada é estável, o desafio está em construir uma identidade própria que não dependa exclusivamente das reações externas. Em vez de buscar segurança na aprovação alheia, Bauman sugere a importância de redefinir nossos laços e reencontrar o valor do compromisso e da intimidade verdadeira. O conceito de pós-modernidade proposto por Bauman nos desafia a refletir sobre os valores que orientam nossa relação com o outro e conosco mesmos. A exposição da intimidade, fruto das novas tecnologias e do desejo de aceitação, redefine o modo como entendemos a privacidade e coloca em questão a autenticidade de nossas relações. Pior, apela-se para o terrorismo cultural exigindo reconhecimento, fruto de um profundo narcisismo, produzindo uma era onde o efêmero é a regra.
A mensagem de Bauman ecoa como um convite para reconstruir uma sociedade onde os laços são mais profundos, onde a intimidade é preservada, e onde a verdadeira conexão humana possa florescer. A pós-modernidade não é apenas uma fase histórica, mas um reflexo de nossa maneira de ser e estar no mundo. Cabe a nós decidirmos o que queremos preservar e que caminhos desejamos traçar para o futuro das relações humanas.
Para isso, as instituições e os cidadãos precisam reagir. O que aconteceu na Brigada de Paraquedistas e na Universidade Federal do Maranhão, diante de professores universitários, que são funcionários federais submetidos a Lei 8.112 é criminoso, uma vez que a na Lei 8.112/1990, que regula o regime jurídico dos servidores públicos federais no Brasil, a expressão "manter o decoro" refere-se ao comportamento esperado dos servidores, especialmente em sua conduta e postura profissional. Manter o decoro na repartição implica agir com integridade, respeitar as normas e os colegas, e não adotar comportamentos que comprometam a moralidade e o ambiente de trabalho.
O artigo 116, inciso IX, da Lei 8.112/1990, afirma que é dever do servidor “manter conduta compatível com a moralidade administrativa”. Isso abrange desde o respeito com colegas até a adequada utilização de recursos e instalações da repartição. A violação do decoro pode resultar em sanções disciplinares, que vão desde advertências até demissão, dependendo da gravidade do comportamento inadequado. Na prática, isso significa que o servidor deve agir com honestidade, transparência, e não se envolver em atos que possam comprometer a sua imparcialidade, como aceitar vantagens indevidas ou praticar atos de assédio moral ou sexual. A lei exige, assim, que o servidor público mantenha um padrão de conduta que inspire confiança na administração pública e promova um ambiente de trabalho ético e eficiente. É muito importante conduzir o processo garantindo a ampla defesa dos envolvidos, mas se for o caso, devem ser exonerados do cargo. A conivência com uma performance pornográfica dentro da repartição pública não pode ser considerada como comportamento adequado para um pesquisador/educador.
É importante lembrar que se esta performance estivesse em outro espaço, que não fosse a repartição pública não se estaria questionando tal comportamento. Mas as instituições federais, que representam nossa democracia já tão abalada e precária, precisam ser preservadas. Uma coisa é certa: as Universidades Federais nunca estiveram tão distantes do mundo real e da população brasileira que as sustentam com impostos pesados, sendo a maioria pagos pelos mais pobres.
Saiba Mais
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