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COLUNA
Rogério Moreira Lima
Engenheiro e professor, foi coordenador Nacional da CCEEE/CONFEA e vice-presidente CREA-MA (2022). É membro da Academia Maranhense de Ciência e diretor de Inovação na Associação Brasileira de
Rogério Moreira Lima

O Imaginário que Move a Engenharia Elétrica

Essa visão abriu caminho para a escrita de números complexos na forma polar, o que tornou o cálculo de potências e raízes não apenas mais eficiente, mas também mais elegante e intuitivo.

Rogério Moreira Lima

Atualizada em 16/09/2025 às 10h54

No século XVIII, matemáticos como Abraham de Moivre e Leonhard Euler começaram a construir a base algébrica dos números complexos. Foi nesse contexto que Euler introduziu a notação da raiz quadrada de –1 pela letra i, marco que mudou para sempre a matemática aplicada. Ainda nesse período, os números complexos passaram a ser representados geometricamente como pontos no plano, o que possibilitou sua interpretação espacial. Essa visão abriu caminho para a escrita de números complexos na forma polar, o que tornou o cálculo de potências e raízes não apenas mais eficiente, mas também mais elegante e intuitivo.

A partir dessa base, desenvolveu-se a análise complexa, também chamada de teoria das funções de variável complexa, que estuda não apenas funções definidas sobre números complexos, mas também o cálculo diferencial e integral aplicado a essas funções. Trata-se de um campo de grande profundidade teórica e de ampla aplicabilidade. No âmbito das ciências naturais, essa teoria desempenha papel central em áreas como a hidrodinâmica, a termodinâmica e a mecânica quântica, tendo ainda um impacto decisivo, em especial, na engenharia elétrica.

Por consequência, a análise complexa repercute diretamente em diferentes ramos da engenharia, incluindo a nuclear, a aeroespacial, a mecânica e, com grande destaque, a engenharia elétrica. Um de seus fundamentos mais notáveis está no fato de que toda função diferenciável de variável complexa coincide com a soma de sua série de Taylor, o que significa que tais funções são também funções analíticas. Esse caráter analítico confere à teoria um poder singular, permitindo compreender estruturas matemáticas profundas e, ao mesmo tempo, aplicar seus resultados de forma prática e eficiente.

Na engenharia elétrica, esse legado se traduz em aplicações decisivas. Ele está presente no estudo de circuitos em regime permanente, no controle de processos, onde o teorema dos resíduos permite determinar a resposta em frequência de sistemas, e nas telecomunicações, que se apoiam na transformada de Fourier e na equação de Helmholtz. Um exemplo cotidiano está na própria energia elétrica que chega às nossas casas, transmitida em sistemas trifásicos. A explicação de que o sistema precisa estar equilibrado para evitar a circulação de corrente pelo neutro só é possível graças ao uso de variáveis complexas e à modelagem por fasores. Os fasores, por sua vez, são uma representação matemática do regime permanente, viabilizada pela descoberta e desenvolvimento da análise complexa.

Outro exemplo marcante vem do mundo das telecomunicações. A explicação de por que a Rádio FM sempre apresentou desempenho superior ao da Rádio AM só é possível graças à análise complexa. Ao estudar a modulação analógica, a análise do sinal em FM parte do caso de um tom único, que conduz naturalmente a uma função de Bessel. Essa abordagem permite compreender e representar o espectro de raias do sinal transmitido. Com isso, é possível determinar a banda ocupada pelo sinal de FM a partir da banda do sinal modulante e do desvio em frequência. Já a análise de desempenho, especialmente no que diz respeito à influência do ruído, recorre a ferramentas ainda mais sofisticadas: os processos estocásticos e a transformada de Fourier aplicados sobre funções de variável complexa. É essa base matemática que explica o desempenho do FM e fundamenta sua reconhecida superioridade em qualidade sonora em relação ao AM.

No mundo das comunicações digitais, a presença da análise complexa é igualmente indispensável. A representação e o estudo das constelações de sinais em modulações digitais, como QPSK e QAM-M, só são possíveis graças à modelagem em números complexos. Cada ponto da constelação corresponde a uma combinação de amplitude e fase representada no plano complexo, permitindo tanto a eficiência espectral quanto a robustez contra ruídos que caracterizam os sistemas de comunicação modernos.

Assim, percebemos que, embora o mundo real possa parecer complexo, ele se torna solucionável pela engenharia. É nesse encontro entre abstração matemática e aplicação prática que o “imaginário” deixa de ser apenas uma ideia e se converte em tecnologia capaz de transformar a sociedade. O número imaginário, que nasceu como curiosidade matemática, hoje é o motor invisível que move a engenharia elétrica e a evolução da comunicação em escala global.

Mas fica uma pergunta inevitável: como o Brasil conseguirá formar engenheiros eletricistas, de telecomunicações e de computação com seus péssimos resultados no PISA em matemática, ocupando a 65ª posição entre 81 nações avaliadas? Esse resultado é incompatível com países que pretendem se inserir nas tecnologias do século XXI.

A questão que se impõe, portanto, é se continuaremos a ser apenas consumidores de tecnologia ou se teremos a coragem e a visão de investir em engenharia. Para isso, é indispensável investir em educação de qualidade, condição essencial para que o Brasil ingresse no seleto grupo de nações que desenvolvem tecnologia e moldam o futuro.

  • Referências
  • CERRI, Cristina; MONTEIRO, Martha S. História dos Números Complexos. Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo, setembro de 2001. Disponível em: https://www.ime.usp.br. Acesso em: 14 set. 2025.
  • BROWN, James Ward; CHURCHILL, Ruel V. Variáveis complexas e aplicações. 9. ed. Porto Alegre: AMGH/McGraw-Hill Education, 2014.
  • CARLSON, A. Bruce; CRILLY, Paul B. Communication Systems: An Introduction to Signals and Noise in Electrical Communication. 5. ed. Nova Iorque: McGraw-Hill, 2010.
  • OGATA, Katsuhiko. Modern Control Engineering. 5. ed. Upper Saddle River, NJ: Prentice Hall, 2010.
  • GRAINGER, John J.; STEVENSON, William D. Análise de Sistemas de Potência. Tradução da 1ª edição norte-americana Power System Analysis. São Paulo: Makron Books, 1994.

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