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José Sarney é ex-presidente da República.
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Lacerda ao ataque

Quando subia à tribuna, as frases saíam como um arremesso de flechas buscando alvos. Quem tinha coragem de intervir pagava um preço.

José Sarney

Atualizada em 02/05/2023 às 23h38
 
 

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Carlos Lacerda! Ele era diferente. Seu olhar era um raio forte. Tinha voz de barítono e pronunciava as palavras com uma acentuada cadência grave, que esgotava os sons, articulando todas as sílabas até o fim, como se recitasse. Quando subia à tribuna da Câmara dos Deputados, tudo parava. Ninguém se atrevia ao menor sussurro. Explodia o vulcão e ele se transfigurava. Seu olhar passava a ser de fúria, as frases saíam como um arremesso de flechas buscando alvos. Quem tinha coragem de intervir pagava um preço.

 
 

Eloy Dutra foi um político do PTB — o mais votado na eleição de 58, no Rio de Janeiro. Ficara conhecido por sua campanha contra o Lacerda. Com essa marca, chegara ao Palácio Tiradentes e, em 1962, foi eleito vice-governador da Guanabara.

Para ser fiel a sua bandeira, toda vez que o Carlos Lacerda discursava na tribuna, ele pedia um aparte para atacá-lo. Lacerda concedia o aparte e ouvia até o fim, mas não respondia, apenas continuava o seu discurso.

Uma só vez vi o Lacerda perder a paciência ao ouvir os ataques do Eloy Dutra, que foi quando ele disse:

— Vossa Excelência é uma Greta Garbo velha, pelancuda e sem voz, que vive mendigando papéis pelos auditórios, sem nenhuma das virtudes que teve a grande artista.

Carlos Lacerda, então, retrucou:

— Por isso Vossa Excelência vem aqui? Para colocar pó de mico no meu discurso?

Era o mote de uma marchinha de carnaval cantada por Emilinha Borba. “Vem cá, seu guarda, / Bota pra fora esse moço / Que está no salão brincando / Com pó de mico no bolso! /Foi ele! Foi ele sim! / Foi ele quem jogou / O pó em mim!”

Certa vez, num debate na Câmara dos Deputados, aparteado pelo Deputado Armando Falcão, Lacerda contra-atacou:

— O país atravessa uma crise muito grande. O Brasil está à beira do abismo. 

Em outro momento, em tom mais suave, para criticar Fernando Ferrari — deputado trabalhista pelo Rio Grande do Sul, sério e a esperança de seu partido, que morreu cedo num desastre aéreo —, Lacerda mostrou um livro do adversário e fez uma aposta na tribuna da Câmara:

— Se abrir este livro, em qualquer página, e não encontrar um lugar-comum, renuncio a meu mandato.

Abriu o volume. A primeira frase que leu foi: “A mulher é a rainha do lar.”

Em determinada ocasião, Carlos Lacerda foi acusado de ter violado o decoro parlamentar, cometendo traição, ao revelar um telegrama secreto do Itamaraty. Num discurso memorável — “A corrida dos touros embolados” —, a que eu assisti e que faz parte da História Parlamentar do País, ele disse que, no Parlamento, fingia-se tudo: o apoio, a oposição, os elogios, as críticas, os aplausos, as vaias.

E terminou numa afirmativa que parecia ser dirigida a ele mesmo: — “Aqui, até o ódio é fingido!”

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