Lacerda ao ataque
Quando subia à tribuna, as frases saíam como um arremesso de flechas buscando alvos. Quem tinha coragem de intervir pagava um preço.
Carlos Lacerda! Ele era diferente. Seu olhar era um raio forte. Tinha voz de barítono e pronunciava as palavras com uma acentuada cadência grave, que esgotava os sons, articulando todas as sílabas até o fim, como se recitasse. Quando subia à tribuna da Câmara dos Deputados, tudo parava. Ninguém se atrevia ao menor sussurro. Explodia o vulcão e ele se transfigurava. Seu olhar passava a ser de fúria, as frases saíam como um arremesso de flechas buscando alvos. Quem tinha coragem de intervir pagava um preço.
Eloy Dutra foi um político do PTB — o mais votado na eleição de 58, no Rio de Janeiro. Ficara conhecido por sua campanha contra o Lacerda. Com essa marca, chegara ao Palácio Tiradentes e, em 1962, foi eleito vice-governador da Guanabara.
Para ser fiel a sua bandeira, toda vez que o Carlos Lacerda discursava na tribuna, ele pedia um aparte para atacá-lo. Lacerda concedia o aparte e ouvia até o fim, mas não respondia, apenas continuava o seu discurso.
Uma só vez vi o Lacerda perder a paciência ao ouvir os ataques do Eloy Dutra, que foi quando ele disse:
— Vossa Excelência é uma Greta Garbo velha, pelancuda e sem voz, que vive mendigando papéis pelos auditórios, sem nenhuma das virtudes que teve a grande artista.
Carlos Lacerda, então, retrucou:
— Por isso Vossa Excelência vem aqui? Para colocar pó de mico no meu discurso?
Era o mote de uma marchinha de carnaval cantada por Emilinha Borba. “Vem cá, seu guarda, / Bota pra fora esse moço / Que está no salão brincando / Com pó de mico no bolso! /Foi ele! Foi ele sim! / Foi ele quem jogou / O pó em mim!”
Certa vez, num debate na Câmara dos Deputados, aparteado pelo Deputado Armando Falcão, Lacerda contra-atacou:
— O país atravessa uma crise muito grande. O Brasil está à beira do abismo.
Em outro momento, em tom mais suave, para criticar Fernando Ferrari — deputado trabalhista pelo Rio Grande do Sul, sério e a esperança de seu partido, que morreu cedo num desastre aéreo —, Lacerda mostrou um livro do adversário e fez uma aposta na tribuna da Câmara:
— Se abrir este livro, em qualquer página, e não encontrar um lugar-comum, renuncio a meu mandato.
Abriu o volume. A primeira frase que leu foi: “A mulher é a rainha do lar.”
Em determinada ocasião, Carlos Lacerda foi acusado de ter violado o decoro parlamentar, cometendo traição, ao revelar um telegrama secreto do Itamaraty. Num discurso memorável — “A corrida dos touros embolados” —, a que eu assisti e que faz parte da História Parlamentar do País, ele disse que, no Parlamento, fingia-se tudo: o apoio, a oposição, os elogios, as críticas, os aplausos, as vaias.
E terminou numa afirmativa que parecia ser dirigida a ele mesmo: — “Aqui, até o ódio é fingido!”
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