Samba doido
Quando cheguei ao Rio, há muitos e muitos anos, brilhava um escritor um pouco mais velho que eu, Sérgio Porto, extraordinário cronista, seja como ele mesmo, seja como seu heterônimo Stanislaw Ponte Preta.
Quando cheguei ao Rio, há muitos e muitos anos, brilhava um escritor um pouco mais velho que eu, Sérgio Porto, extraordinário cronista, seja como ele mesmo, seja como seu heterônimo Stanislaw Ponte Preta. O Stanislaw tinha uma coluna em que debochava dos costumes, bons e maus, numa fonte incessante de risos e gargalhadas. Infelizmente o Sérgio morreu muito moço, aos 45 anos.
Quando começou a temporada militar, o Stanislaw criou uma seção na coluna com o nome de Febeapá: era o “festival de besteiras que assola o país”. Lá colecionava barbarismos de todo tipo, como a história de um prefeito de Petrópolis que proibira o banho de mar na cidade.
Talvez inspirado neste prefeito, talvez no próprio delírio de Jânio Quadros — que, Presidente da República, mandou que os funcionários públicos usassem slack, proibiu rinha de galo, corrida de cavalo em dia de semana e mesmo traje de banho nos concursos de beleza, permitindo o “uso de saiote” —, agora a história ensinada pelo Estado de São Paulo afirma que Jânio proibiu o uso de biquíni nas praias da cidade de São Paulo. Esclareço desde já, como janista que fui, que essa história de que os proibiu nas praias do Brasil é injúria e difamação. Eis o decreto presidencial: “Art. 1º Nos concursos de beleza, seleções de representantes femininas e semelhantes, as competidoras e participantes não poderão apresentar-se ou desfilar em trajes de banho sendo tolerado o uso de saiote. Art. 2º As autoridades locais, encarregadas da Polícia de Costumes, tomarão as providências para o fiel cumprimento do estabelecido no artigo anterior.”
Pois é, nesse festival de besteiras, parece que se decidiu também que a Lei Áurea foi sancionada por D. Pedro II, não pela Princesa Redentora Dona Isabel. Talvez tenham lido mal o que escrevia Odylo Costa, filho, nas vésperas daquele tragicômico 25 de agosto de 1961: que Jânio era um personagem da dinastia dos Bragança, “didático, ginasiano, professor secundário detestável como foi Pedro II”, com o “mau-gosto literário com que Pedro II escrevia a Camilo: ‘Aí lhe mando o soneto hodierno… Sigo hoje para a Lusa Atenas…”. Odylo perguntava se era Jânio ou Pedro II quem escrevia “Meu dia é todo ocupado no serviço público…”; e previa: Jânio “tem a mania renunciatória dos Bragança, e meu receio é que um dia o lado Pedro II, que ameaça, mas não efetiva, a troca do dever de reinar pelo prazer de ensinar, seja subjugado pelo côté Pedro I, que sai mesmo barra a fora e danem-se!”
Pois o Stanislaw, ou o Sérgio Porto, não sei bem, escreveu um fabuloso samba, o Samba do Crioulo Doido: “Foi em Diamantina onde nasceu J.K. / Que a princesa Leopoldina a resolveu se casar / Mas Chica da Silva tinha outros pretendentes / E obrigou a princesa a se casar com Tiradentes. / Joaquim José, que também é da Silva Xavier / Queria ser dono do mundo / E se elegeu Pedro Segundo / Das estradas de minas, seguiu pra São Paulo / E falou com Anchieta / O vigário dos índio aliou-se a Dom Pedro / Acabou com a falceta / Da união deles dois ficou resolvida a questão / E foi proclamada a escravidão.” (A grafia corresponde à exatidão histórica.)
A outra música do Sérgio, a Marcha da Bicha Louca, não cito aqui por não saber se é politicamente correta (o corretor do Word já me avisou: não use linguagem preconceituosa).
A correição na Secretaria de Educação paulista já demitiu os autores, antes mesmo de averiguar se tinham ou não razão. Afinal quem vai discutir com um modelo escolar mais avançado que o do Ministério da Educação e tão rico que dispensa o auxílio do FNDE? Leva a culpa a professora humilde que foi colocada para reescrever a História do Brasil e errou o trecho da “narrativa” a inventar e embelezar!!! O Brasil está “crioulo doido”.
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