Nossa Senhora do Ó
Entramos no Tempo do Advento, isto é, da preparação para a chegada do Menino Jesus. Vivemos na expetativa deste milagre espantoso de Deus se fazer homem, de nascer de uma mulher.
Entramos no Tempo do Advento, isto é, da preparação para a chegada do Menino Jesus. Vivemos na expetativa deste milagre espantoso de Deus se fazer homem, de nascer de uma mulher.
Hoje as pessoas têm dificuldade em crer em milagres, mas esquecem que as três religiões monoteístas giram em torno da vinda do Messias — do Mádi, no islamismo —, portanto da vinda de Cristo, Khristós, em grego. O que é uma cura miraculosa diante da transformação da onipotência em fragilidade, da imortalidade em morte, do sublime em sacrifício?
Na minha infância esses dias eram marcados pela construção do presépio, que iniciava um tempo de esperança, a esperança que uma criança tem em dias especiais. Hoje nossa esperança se transforma em ansiedade imediata pela paz, pela vitória do Amor sobre a guerra, a destruição, as doenças. Mas seu significado profundo é a radical transformação de um mundo perdido, finito com a morte, naquele descrito no fim do Credo: o da ressurreição da carne e da vida eterna.
É o tempo do Ó. Ó das antífonas que serão cantadas na última semana antes do Natal, e que começam com a saudação — Ó Sapientia, Ó Adonai, Ó Radix Jesse, Ó Clavis David, Ó Oriens, Ó Rex Gentium, Ó Emmanuel — a Cristo, e terminam com a súplica — Veni, Vinde — pela salvação, por Sua salvação. Essa interjeição está em seu lugar mais adequado quando usado como vocativo para Nossa Senhora, Nossa Senhora do Ó, Nossa Senhora da Expectação, o Ó desenhado por seu ventre pleno de salvação, do Menino Jesus. É uma devoção antiga, saiu de moda com a (feliz) queda dos riscos da maternidade, mas em que a grandeza da figura materna se realiza em plenitude, saudada primeiro por Isabel quando da Visitação com as palavras que repetimos na Ave Maria: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre!”
É curiosa a história dessa evocação. No Décimo Concílio de Toledo, em 616, se decidiu que a Anunciação seria comemorada a 18 de dezembro e, pouco depois, Santo Idelfonso determinou que a festa se chamasse da Expectação do Parto da Beatíssima Virgem Maria. Daí a evocação da Senhora da Expectação como do Ó; mas, como é o dia em que começam as “Antífonas do Ó”, “do Ó” ficou no imaginário popular português e assim foi trazido para Olinda por Duarte Coelho. Mas o Padre Vieira explicava a interpretação popular: “O título da Festa é a Expectação do parto, e desejos da mesma Senhora debaixo do nome do Ó. E porque o O é um círculo, e o ventre virginal outro círculo, o que pretendo mostrar em um, e outro é que assim como o círculo do ventre virginal na conceição do Verbo foi um O, que compreendeu o imenso, assim o O dos desejos da Senhora na Expectação do parto foi outro imenso círculo, que compreendeu o Eterno.”
Vieira usa a explicação que tira de Hermes Trimegisto, como Montaigne: “Imensidade é uma extensão sem limite, cujo centro está em toda parte, e a circunferência em nenhuma parte.” A mente geométrica de Pascal busca em Santo Agostinho a palavra “círculo”. O essencial é o vislumbre da dimensão, impossível de ser compreendida pelo ser humano, do milagre que é a presença de Deus como Menino frágil, nascido entre as palhas de um presépio — isto é, um abrigo de animais —, entre pobres, adorado por pastores sob o Gloria dos anjos.
Por isso, nesse tempo de espera, vamos repetir o “Vinde salvar-nos, Senhor nosso Deus!”
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