Odylo e o Jornal do Brasil
Conheci bem as circunstâncias que levaram Odylo ao JB.
Quando iniciava minha vida política, sentando-me como suplente nas cadeiras do Palácio Tiradentes, tive a oportunidade de acompanhar de muito perto a maior transformação por que passou a imprensa brasileira: a que Odylo Costa, filho fez no Jornal do Brasil. Agora Luiz Gutemberg publica JB: A invenção do maior jornal do Brasil, em que conta a reforma com os olhos de quem era então um jovem repórter.
Conheci bem as circunstâncias que levaram Odylo ao JB. O jornal era propriedade do Conde Ernesto Pereira Carneiro, empresário pernambucano que o tinha como principal ativo. Este era casado com a filha de um grande escritor e jornalista maranhense, Dunshee de Abranches, Maurina, que todos tratavam de Condessa Pereira Carneiro. Em 1954 o conde morrera e deixara para ela o jornal. Amiga de Odylo — que fora amigo de seu pai —, a Condessa o chamara para reconstruir o jornal. (Tornei-me, pouco depois, muito seu amigo.)
O Jornal do Brasil fora fundado por Rodolfo Dantas no começo da República como um jornal monarquista. O novo regime o depredou e ameaçou. Ruy Barbosa teve a coragem de comprá-lo, mas o viu ser novamente destruído. Ao acabar o violento governo Floriano, os irmãos Mendes de Almeida tornaram-se os terceiros proprietários e fizeram dele um jornal popular. Ambiciosos, tomaram iniciativas caras e precisaram de capital — foi quando entrou Pereira Carneiro, que logo depois da Primeira Guerra se tornaria o único proprietário. Aos poucos o jornal virou uma empresa comercial lucrativa — o único jornal brasileiro que realmente gerava lucro, pois vivia dos pequenos anúncios, abandonando completamente a informação e a opinião. Os “classificados” geravam receita direta e indireta, com o pagamento dos anúncios e a compra do jornal para procurá-los .
Eu já lhes falei de Odylo, um dos melhores seres humanos que conheci. Sou até um pouco suspeito para falar dele, pois foi um dos maiores amigos que tive, amigo de todas as horas. Nos conhecêramos quando voltara ao Maranhão para participar do resgate do Estado da velha política. Era um extraordinário poeta, tinha uma generosidade, uma bondade exemplares, uma cultura que abrangia todos os horizontes, uma capacidade de trabalho insuperável. Compadre de Virgílio de Melo Franco, por sua mão conheci Afonso Arinos e outros líderes da UDN. Amigo de Manuel Bandeira, Drummond e dos maiores escritores brasileiros e portugueses, me aproximou deles.
Gutemberg publica os testemunhos de muitos dos grandes jornalistas — ou artistas gráficos, como Amílcar de Castro — que participaram da aventura de transformar o Jornal do Brasil no JB que foi durante muitos anos o padrão do bom jornalismo no País. Os testemunhos e a narrativa contam o que aconteceu — num período muito curto — e explicam que suas ideias tenham se expandido nos anos seguintes, quando ele já deixara o jornal.
Pequenos papéis amarelados, reproduzidos nas ilustrações, exprimem as ideias de Odylo e são mandamentos que toda imprensa devia seguir: “Objetivos: a) prestígio nas classes dirigentes; b) leitores nas classes populares. Para atingir o 1º objetivo […] é preciso: 1) melhorar a colaboração; 2) fazer com que o leitor do Jornal do Brasil encontre: a) todas as notícias de seu interesse, b) apresentadas com inteligência e senso jornalístico, i. é, c) revestidas de objetividade e independência.” E adiante, sobre um tema, mas valia para todos: “Melhor não ter do que não ter o melhor.”
Odylo entrou em conflito com Nascimento Brito, genro da Condessa, e deixou o JB em dezembro de 1958. Mas, ao contrário do lugar-comum “o mal já estava feito”, o bem já estava feito, a reforma continuou, inevitável.
Ler a história desses dias é conhecer como é possível, de um par de “objetivos”, construir um conceito que influenciou profundamente o Brasil. Para quem, como eu, viu a entrega diária de Odylo à tarefa que se dera, o viu em aparente desordem erguer do chão “o maior jornal do Brasil”, faz aflorar a imensa saudade, que não passa, do homem exemplar, do amigo querido.
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