Hora da Paz
Dos quarenta anos que passei no Senado Federal, algumas lembranças são indeléveis, saudades que não passam e venerações que não encolhem.
Dos quarenta anos que passei no Senado Federal, algumas lembranças são indeléveis, saudades que não passam e venerações que não encolhem. Entre essas quero destacar a figura de Afonso Arinos de Melo Franco, a quem nós, se fôssemos qualificar com um epíteto, como o fizeram com alguns nomes históricos, como “o Moço”, o “Velho”, chamaríamos de, Afonso Arinos, “o Grande”. Minha admiração por ele não era apenas fruto da gratidão, pois lhe devo o apoio que me deu, no princípio da minha carreira política, e o afeto com que me cercou a vida inteira. Afonso Arinos tinha uma cultura enciclopédica, sabia de tudo sobre tudo, em todos os aspectos, das letras ao direito, de história, de ciência e da vida. Quantas vezes na Rua Mariana, no Rio de Janeiro, naquela biblioteca tão singular ou na mesa de jantar, sempre em companhia de Anah, com sua delicadeza e inteligência, com um bom vinho, desfrutei dessa dádiva de Deus, a sua amizade.
Era um pensador, um sábio. Odylo Costa, filho, o maior amigo de toda a minha vida, foi quem me apresentou ao Afonso e dividiu comigo a sua amizade com ele.
Mas estas recordações me são oportunizadas pela necessidade de ressaltar o lado profético de Afonso Arinos, que escreveu mais de cem livros, com seus conhecimentos constitucionais, abordando em vários momentos a crise brasileira, observando que, por ser permanente, sempre se repetia. Numa coletânea de artigos para o Jornal do Brasil, reunidos em livro, o seu Evolução da Crise Brasileira é de uma atualidade espantosa. Cito a harmonia dos poderes, teorizada por Montesquieu. Agora, como em vários momentos passados, essa harmonia é desarmonia.
Vivemos um instante em que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário não conseguem acertar os passos. É que a nossa Constituição de 88, cujo objetivo de restaurar o Estado de Direito foi atingido, foi muito influenciada pela ambição da sucessão presidencial, deixando muitas lacunas para leis infraconstitucionais, obrigando os congressistas futuros a votarem emendas que até hoje consomem todo o tempo das Casas Legislativas. Mais de cem emendas já foram promulgadas.
As atribuições do Poder Executivo, pela sua natureza, são amplas, indefinidas e difusas. Difícil a lei determinar todas. O Poder Legislativo, ao contrário do Executivo, tem suas atribuições totalmente definidas, o que não o impede de ampliá-las na investida de inviabilizar as proposições dos outros Poderes.
Já o Judiciário tem a “guarda da Constituição”, mas, pelas circunstâncias do tempo e das “crises”, na expressão de Nelson Jobim, “politizou-se”, enquanto a política “judicializou-se”. Isso não impede a ocorrência daquilo que o juiz Marshall, da Corte americana, dizia em referência às brigas com a Câmara de Representantes: deixem que eles façam essas provocações que encontraremos sempre alguma inconstitucionalidade para detê-los.
O Brasil espera, sem concordar com essa demonstração da ausência de lideranças políticas, que os políticos se dediquem a devolver um clima de paz entre os poderes. É necessário que, apesar dos graves problemas que atravessamos, envolvidos também pela crise mundial, tenhamos uma convivência interna capaz de ajudar o País a crescer e melhorar a vida do seu povo.
Isso me fez lembrar Afonso Arinos, “o Grande”, que passou toda sua vida dedicada ao Brasil, lutando pelos ideais democráticos. É hora de ouvirmos as vozes dos nossos sonhadores, responsáveis pela construção deste grande país: José Bonifácio, Rui Barbosa, Afonso Arinos e tantos outros.
Eu fiz minha parte: a transição democrática, promovendo os direitos sociais e a liberdade de que hoje desfrutamos.
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