No início de setembro fui procurado por um amigo da família para ajudá-lo resolver um problema num certo banco privado: fizeram dois débitos (R$ 293,29 e R$ 835,72) de sua conta corrente, no total de R$ 1.129,01 ou 80% de seu Benefício de Prestação Continuada (BPC) cujo valor é um salário-mínimo. Ficou na conta dele só R$ 282,99 pra passar o mês. Ele tem 91 anos, é analfabeto, tem audição e mobilidade reduzidas e boa memória.
Fomos até sua agência pedir explicações e ouvimos que estava tudo certo, pois os débitos eram de dívidas com o cartão de crédito internacional elo. No ato ele disse que não pediu e não recebeu cartão de crédito, que é analfabeto e não fez compras em São Paulo, como consta numa fatura. Então eu pedi o cancelamento do cartão; o histórico das faturas; e que o banco informasse quando e quem pediu o cartão, e quando e a quem foi entregue.
A gerente disse que a partir dali o cartão estava cancelado e que os outros pedidos seriam atendidos em até 15 dias úteis. Pedi o protocolo, mas ela disse que o sistema não gera protocolo e não permite imprimir o que foi registrado, pois é só para controle interno. Reclamei do prazo de 15 dias, pois ele tem mais de 80 anos e faz jus a atendimento prioritário à luz do Estatuto do Idoso e do Art. 3º da Lei nº 13.466/2017, mas ela disse que aquele era o prazo.
Então fomos à 9ª DPC, onde ao ser confirmado sua idade, imediatamente registrou-se o BO nº 230538/2024, de 05/09/2024. Dias depois o banco devolveu os R$ 293,29. Questionamos sobre os R$ 835,72, mas a agência alegou que isso era com a administradora do cartão; disse ainda que o idoso aguardasse o prazo do banco. Ao que parece, o banco não respeita o idoso e nem as leis.
Isso nos levou ao PROCON, que fica bem perto da agência da qual ele é cliente desde 1979, ou seja, há 45 anos; ao mostrarmos que o caso era com idoso com mais de 80 anos, rapidamente ele foi atendido e gerado o nº de acompanhamento 24.09.0171.001.00277-3, de 23/09/2024. Alguns presentes comentaram que esse tipo de reclamação tem sido recorrente e que o banco não responde. Isso parece reforçar a última parte do parágrafo anterior.
No dia 24 fomos até a Defensoria Pública Estadual (DPE), no Renascença, onde informaram que como ele mora em outro município (na Raposa), ele deveria procurar a DPE de lá. Expliquei que fomos até ali porque fica próximo da agência dele e que o caso foi registrado na 9ª DPC e no PROCON, ambos ali no bairro São Francisco. Não adiantou, a atendente disse que ele deveria iniciar o processo lá na cidade onde mora.
Falei que se tratava de idoso com mais de 80 anos e aí, forçosamente, tive que tentar ensinar o padre a rezar missa, como dizia minha avó: disse que além do Art. 230 da CF/1988 e da “absoluta prioridade” prevista no Art. 3º do Estatuto do Idoso, ele tem a “prioridade especial” prevista no § 2º do Art. 3º da Lei nº 13.466/2017, mas não adiantou; ela disse que é norma interna da DPE e que eu precisava levá-lo até sua cidade. Pela primeira vez vi um órgão público estadual botar uma norma interna acima da CF/1988 e de duas leis federais.
Apesar de seu endereço ser na Raposa, a DPE poderia ao menos, em respeito a ele e às leis, ter: 1) escutado e entendido o idoso; 2) identificado quem o acompanhava; 3) orientado sobre os documentos exigidos para iniciar o atendimento; 4) feito contato com a DPE/Raposa e agendado o atendimento; e 5) ter agido de modo semelhante ao que fez, no dia seguinte, a assessora da Promotoria de Justiça da Raposa, conforme relatado mais adiante.
Ele chateou-se e disse que não faria mais nada, mas eu falei pra não desistir e que no dia seguinte eu o encontraria na DPE/Raposa. Então fui sozinho ao Conselho Estadual do Idoso, ali no Edifício Clodomir Millet, próximo à Secretaria Estadual da Fazenda, no Calhau. Ao relatar o caso à Ouvidora, ela pediu os documentos que eu tinha de outros órgãos e entreguei-lhe o BO e o registro no PROCON. Ela fez a Ficha de Atendimento nº 165/2024, de 24/09/24.
No dia 25 fomos à DPE/Raposa e ao tentar explicar o caso veio outra surpresa: a atendente disse que o atendimento só inicia se a parte tiver em mãos os dados (RG, CPF, endereço, tel, etc) de 3 (três) testemunhas que tenham ciência do caso e não sejam da família; e mais uma lista de documentos: RG, CPF, comprovante de residência, dados do banco (endereço, agência). Como não tínhamos as testemunhas, saímos de lá.
Guardei a lista de documentos e fomos ao Fórum da Raposa pra falar com a juíza. Ao saber que ela não estava, pedimos pra falar com o(a) substituto(a) e nos levaram até a secretária. Ao explicarmos o problema ela disse que tudo começa na DPE e que nós devíamos ir primeiro até lá. O idoso achou graça e disse que estivemos lá e não fizeram nada. Então ela falou que a justiça só age nos autos e que deveríamos voltar lá ou então tentar algo no MP.
E assim fomos ao Ministério Público/Raposa onde ao explicar o caso, ouvimos: “vamos ter que resolver isso”. O promotor não estava porque naquele momento participava de reunião com algumas associações em outro bairro, mas em alguns minutos ele chegaria ali. Vimos vários cadeirantes à espera dele para uma reunião agendada. Ou seja, ele não poderia nos atender de imediato, mas aí veio até nós a servidora Lorena Duailibe, sua assessora.
Ela mostrou competência e compromisso ao atender e querer entender o idoso; mostrou interesse em resolver o caso; ela perguntou se informamos outros órgãos e eu entreguei os documentos acima citados. Minutos depois a Sra Lorena retornou com o Ofício PJRAP nº 3482024, de 25/09, assinado eletronicamente, pelo Promotor Reinaldo Campos Castro Júnior. O ofício deu prazo de 48 horas para que a agência explicasse os fatos e desse uma solução.
Em 1º/10 (Dia Internacional do Idoso), na DPE/MA, o titular do Núcleo de Defesa do Idoso, da Saúde e da Pessoa com Deficiência, Defensor Público Vinícius Goulart disse: “O desrespeito é muito grande vindo, muitas vezes, de parentes próximos às vítimas. Por isso, temos lutado diariamente pela segurança, saúde, educação e assistência social na alta complexidade dessa população, para que não haja demora no retorno e acolhimento dessas pessoas.”
Ao concordarmos com o ilustre Defensor Público, que a demora no atendimento é prejudicial ao público em geral, lamentamos que, conforme os fatos acima, a DPE/MA parece dar, nesse caso, sua contribuição para o atraso. É por isso que até o fechamento deste texto, aliado aos expedientes facultativos nos órgãos públicos em razão das eleições, o idoso ainda não conseguiu reunir as testemunhas exigidas pela DPE/Raposa.
Apesar disso, graças a atuação da 9ª DP, do PROCON, do Conselho Estadual do Idoso e principalmente do MP/Raposa, ele recebeu o valor total do seu BPC nesse dia 04/10, sem os descontos reclamados. Aproveito pra solicitar à DPE/MA que reveja seu atendimento ao público em geral, aos idosos e, em especial, aos analfabetos, para os quais tudo parece ser muito mais complexo. Ainda mais nestes tempos de redes sociais, app e inteligência artificial.
Num esforço para responder a pergunta título deste relato, dos demais idosos eu não sei, mas o amigo dos meus pais gostou de ter recebido no dia 04/10 seu BPC de R$ 1.412,00 sem descontos; e no dia 08/10 ele recebeu o valor que estava pendente, com uma pequena correção, de R$ 845,62. Apesar disso ele ainda não vê motivos pra comemoração, pois além de todo o incômodo, ao que parece, os valores devolvidos deveriam ter sido em dobro, conforme prevê o parágrafo único do Art. 42 da Lei nº 8.078, de 11/09/1990 (Código de Defesa do Consumidor). Mas isso aí eu espero que seja avaliado oportunamente pela DPE/Raposa.
* Ivanilson Souza é cidadão e pesquisador
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