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COLUNA
Rogério Moreira Lima
Engenheiro e professor, foi coordenador Nacional da CCEEE/CONFEA e vice-presidente CREA-MA (2022). É membro da Academia Maranhense de Ciência e diretor de Inovação na Associação Brasileira de
Rogério Moreira Lima

Tecnologia e Sustentabilidade na Geração Distribuída Fotovoltaica: O Papel da Engenharia Elétrica Brasileira

O Brasil tem se consolidado como referência global na engenharia elétrica, impulsionado por avanços tecnológicos, pesquisa acadêmica de ponta e soluções inovadoras para a geração e distribuição de energia.

Rogério Moreira Lima

O Brasil tem se consolidado como referência global na engenharia elétrica, impulsionado por avanços tecnológicos, pesquisa acadêmica de ponta e soluções inovadoras para a geração e distribuição de energia. Engenheiros e engenheiras brasileiras, em parceria com institutos de pesquisa e universidades, desempenham um papel estratégico no desenvolvimento de sistemas mais eficientes e sustentáveis, fundamentais para a transição energética e o crescimento do setor elétrico no país.

A engenharia elétrica nacional está na linha de frente dessa transformação global, com projetos inovadores em energia solar, eólica e armazenamento de energia, além de investimentos crescentes em digitalização e automação de redes elétricas. Entre os desafios do setor, destaca-se a busca por maior eficiência nos inversores fotovoltaicos – dispositivos responsáveis por converter a energia gerada pelos painéis solares para ser integrada à rede elétrica. Esse campo de pesquisa exige um profundo entendimento de fenômenos elétricos que podem comprometer o rendimento dos sistemas solares, demandando soluções avançadas para otimizar a captação e o uso da energia solar.

Um exemplo recente da contribuição brasileira nessa área é o artigo Second-Harmonic Ripple in Two-Stage Single-Phase Photovoltaic Inverters: Analysis and Mitigation, publicado no International Journal of Circuit Theory and Applications em 4 de novembro de 2024. O estudo, conduzido pela engenheira eletricista Dayane do Carmo Mendonça, juntamente com os engenheiros eletricistas Heverton Augusto Pereira, Tiago Davi Curi Busarello e Allan Fagner Cupertino, e pelo engenheiro de controle e automação Gleison Viana Silva, investiga um problema crítico nos sistemas fotovoltaicos monofásicos de dois estágios: o ripple de segunda harmônica e seu impacto na eficiência energética. Mas, afinal, o que é esse fenômeno e por que ele afeta a conversão de energia solar?

Nos sistemas elétricos, especialmente em inversores fotovoltaicos monofásicos de dois estágios, a energia não flui de maneira perfeitamente estável. Pequenas oscilações na tensão e na corrente – conhecidas como ripple – podem comprometer o desempenho dos equipamentos. Em inversores monofásicos, esse ripple apresenta um comportamento periódico que gera oscilações de segunda harmônica no barramento de corrente contínua (CC). Como consequência, a energia extraída dos painéis solares sofre variações indesejadas, reduzindo a eficiência do rastreamento do ponto de máxima potência (MPPT) e impactando a quantidade total de energia gerada.

Para estudar os efeitos dos harmônicos nos sistemas elétricos, é essencial ter domínio da Série de Fourier, uma ferramenta matemática fundamental na análise de sinais periódicos. Essa técnica permite decompor um sinal complexo em componentes senoidais de diferentes frequências, revelando como a energia está distribuída tanto na frequência fundamental quanto em suas harmônicas. No caso dos inversores fotovoltaicos monofásicos, a segunda harmônica representa uma parcela indesejada da energia que oscila no sistema e impacta sua eficiência. Com essa decomposição matemática, os engenheiros podem visualizar com precisão o comportamento da tensão e corrente em diferentes faixas de frequência, possibilitando o desenvolvimento de estratégias para mitigar as oscilações indesejadas.

A pesquisa dos engenheiros brasileiros revelou que oscilações superiores a 10% (pico a pico) no capacitor de entrada do inversor podem levar a uma perda de aproximadamente 1% na captação da energia solar. Embora pareça um valor pequeno, essa redução acumulada ao longo dos anos representa um impacto significativo na produção energética, prejudicando a viabilidade econômica dos sistemas fotovoltaicos.

Para mitigar esse efeito, os pesquisadores propuseram uma técnica inovadora. O diferencial dessa abordagem é que ela não exige modificações no hardware nem no controlador do inversor, tornando-se uma solução acessível e altamente eficiente para a indústria.

Os testes realizados – incluindo simulações computacionais, experimentos em Hardware-in-the-Loop (C-HIL) e protótipos de laboratório – demonstraram que a técnica reduz drasticamente o ripple de segunda harmônica, praticamente eliminando oscilações de até 10% na tensão do painel solar. O Hardware-in-the-Loop (C-HIL) é uma metodologia avançada de teste que permite validar algoritmos e estratégias de controle em tempo real, sem a necessidade de um sistema físico completo. Essa técnica possibilita simular cenários complexos, garantindo que as soluções propostas sejam testadas de forma segura e eficaz antes da implementação prática. Como resultado da pesquisa, o sistema fotovoltaico consegue extrair mais energia do Sol, aumentando a eficiência da conversão energética e tornando a geração solar mais sustentável e rentável.

A complexidade dessas pesquisas evidencia a necessidade de uma formação técnica e científica sólida para os engenheiros que atuam nesse campo. O domínio de conceitos avançados da matemática, como cálculo diferencial e integral, equações diferenciais, variáveis complexas e séries de Fourier, além de conhecimentos em circuitos elétricos e eletrônica, é essencial para a compreensão de fenômenos como o ripple de segunda harmônica e o desenvolvimento de técnicas de controle de inversores. Esses conteúdos fazem parte da formação dos engenheiros eletricistas, engenheiros em eletrônica, engenheiros de controle e automação, engenheiros de computação, engenheiros de telecomunicações e engenheiros de energia, sendo fundamentais para o avanço da engenharia nacional.

O Brasil, no entanto, enfrenta desafios estruturais na formação de engenheiros qualificados. Disciplinas da área de matemática, como Cálculo Diferencial e Integral, Probabilidade e Estatística, Álgebra Linear e Álgebra Vetorial, apresentam altos índices de reprovação nos cursos de engenharia de universidades federais. Pesquisas indicam que a falta do hábito de estudo contínuo e a adaptação ao ritmo do ensino superior são barreiras que dificultam o sucesso dos alunos nessas disciplinas. A proposta de Nóbrega et al. (2023) de um possível caminho para reduzir a evasão e aumentar a retenção nos cursos de engenharia seria a implementação de disciplinas de pré-cálculo, que ajudariam os estudantes a nivelarem seus conhecimentos antes da introdução de conteúdos mais avançados. A necessidade dessa solução só reforça os dados do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), que apontam uma grave deficiência na base matemática dos estudantes brasileiros. Em 2023, o Brasil registrou uma média de apenas 379 pontos em Matemática, ficando 93 pontos abaixo da média da OCDE (472). O país ocupa a 65ª posição entre 81 nações avaliadas, ficando atrás de países como México (395), Estados Unidos (465), Coreia do Sul (527), Japão (536) e Singapura (575), líder do ranking. Esse cenário evidencia a urgência de investimentos no ensino básico para que mais estudantes tenham a base matemática necessária para acompanhar cursos de engenharia e reduzir as altas taxas de evasão.

Se, mesmo com poucos recursos, as universidades públicas brasileiras já conseguem produzir pesquisas de impacto internacional, é possível imaginar o avanço que o país teria com um financiamento adequado para ciência e tecnologia. Valorizar a engenharia e investir na educação são medidas essenciais para garantir um Brasil mais sustentável e competitivo no cenário global. Se quisermos um país protagonista na inovação e na transição energética, o caminho passa pela engenharia, ciência, tecnologia e educação de qualidade.

Fontes:

[1] Mendonça, Dayane do Carmo, Silva, Gleison Viana, Pereira, Heverton Augusto, Busarello, Tiago Davi Curi, Cupertino, Allan Fagner. Second-Harmonic Ripple in Two-Stage Single-Phase Photovoltaic Inverters:Analysis and Mitigation. International Journal of Circuit Theory and Applications, 2024.

[2] Silva, Rogerio Moreira Lima. Engenharia em Colapso: O Preço da Negligência no Brasil. Coluna Rogerio Moreira Lima do Portal Imirante, 2024.

[3] Só 44% dos alunos de engenharia da última década terminaram o curso. G1, disponível em https://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/07/so-44-dos-alunos-de-engenharia-da-ultima-decada-terminaram-o-curso.html

[4] 'Terror' dos alunos de exatas, cálculo I é comparado a processo industrial. G1, disponível em https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2013/11/terror-dos-alunos-de-exatas-calculo-i-e-comparado-processo-industrial.html

[5] Dayane do Carmo Mendonça, Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/8404395760161251

[6] Gleison Viana Silva, Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/0193113138592398

[7] Heverton Augusto Pereira, Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/4298795970350194

[8] Tiago Davi Curi Busarello, Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/9413842904460527

[9] Allan Fagner Cupertino, Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/3035620499629987

[10] Queda de matrículas e alta na evasão desafiam escolas particulares de engenharia, disponível em https://ruf.folha.uol.com.br/2024/noticias/queda-de-matriculas-e-alta-na-evasao-desafiam-escolas-particulares-de-engenharia.shtml?utm_source=chatgpt.com

[11] Crise na Engenharia Brasileira! Entenda as razões para evasão nos cursos e como isso impacta o futuro da profissão, disponível em https://engenharia360.com/a-evasao-nos-cursos-de-engenharia/#:~:text=A%20preocupante%20evas%C3%A3o%20nos%20cursos,depender%20do%20modelo%20de%20ensino.

[11] PASSOS, F. G.D. et al. Diagnóstico sobre a reprovação nas disciplinas básicas dos cursos de engenharia da UNIVASF. 2007

[12] SILVA, V. C. et al. A reprovação no curso de engenharia elétrica do Unileste-MG: uma investigação baseada na visão dos alunos. In: Anais… XXXIII Congresso Brasileiro de Educação em Engenharia. 2005

[13] Nóbrega, B.S., Coêlho, J.B.S. Diagnostico sobre os fatores associados a reprovação nas disciplinas de matemática de cursos de graduação de uma instituição pública de ensino. Cuadernos de Educacíon y Desarollo, Europub European Publications, 2023

[14] Até alunos mais ricos no Brasil estão abaixo da média global em Matemática, aponta Pisa, disponível em https://www.bbc.com/portuguese/articles/cv2zx819rg4o

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