
A carta de Luis Sarmiento
A carta de Luis Sarmiento de Mendonça, embaixador da Espanha em Portugal, datada de 15 de julho de 1536, é um documento crucial que lança luz sobre a expedição de Aires da Cunha ao Maranhão, ocorrida entre 1535 e 1536.
A carta de Luis Sarmiento de Mendonça, embaixador da Espanha em Portugal, datada de 15 de julho de 1536, é um documento crucial que lança luz sobre a expedição de Aires da Cunha ao Maranhão, ocorrida entre 1535 e 1536. Neste relato, Sarmiento não apenas informa o rei da Espanha sobre os desdobramentos da expedição, mas também expressa preocupações sobre a possibilidade de que os colonizadores estivessem em busca de ouro nas minas do Peru, uma questão de grande relevância para a coroa espanhola.
Entre as novidades que a carta traz, destaca-se a menção a intérpretes locais que relataram a existência de grandes quantidades de ouro nas proximidades do rio Maranhão. Sarmiento narra como a armada, ao tentar desembarcar antes de chegar ao Maranhão, em terras do atual Rio Grande do Norte, foi atacada pelos nativos Potiguares, revelando a hostilidade que os colonizadores enfrentaram. Além disso, traz elementos importantes sobre o controverso naufrágio da nau capitânia de Aires da Cunha e seus desdobramentos. Trata da fundação da povoação de Nazaré, seu forte e da denominação de “A Trindade”, dada pelos expedicionários à ilha do Maranhão.
Através de sua correspondência, Sarmiento não apenas documenta os eventos, mas também alerta sobre as implicações políticas e econômicas que poderiam advir da busca por riquezas na região, contribuindo para uma compreensão mais profunda da história da colonização do Maranhão e suas repercussões na dinâmica colonial da época.
Assim, estamos trazendo na íntegra, traduzida em português, pela primeira vez, a carta de Luis Sarmiento. A carta original em castelhano foi publicada no Brasil em 1927, no segundo volume da obra “Diário da Navegação de Pero Lopes de Sousa (1530-1532)”, da Série Eduardo Prado, Rio de Janeiro, pela tipografia Leuzinger (em 1940 esta obra teve uma segunda edição comemorativa...). Esta carta se torna uma fonte valiosa para historiadores e estudiosos, pois revela não apenas os acontecimentos da expedição, mas também as tensões políticas e as complexas interações culturais que moldaram o início da colonização no Brasil.
ÉVORA, 15 DE JULHO DE 1536
CARTA DE LUIS SARMIENTO A S. M.: REFERINDO-SE A OUTRA ESCRITA NO ANO ANTERIOR, ETC.
Sacra Católica e Cesárea Majestade,
No ano passado, escrevi a Vossa Majestade sobre uma armada que o Sereníssimo Rei enviou de Lisboa, a qual se dizia publicamente que era para ir ao Peru. Falei com Sua Alteza, que me certificou do contrário, dizendo que, mesmo navegando quatrocentas léguas, não chegariam a nada que pertencesse à jurisdição desses reinos. Assim, escrevi a Sua Majestade e a Vossa Majestade.
Agora chegou a Lisboa um piloto com cartas do capitão da expedição, um chamado De Acuña (Aires da Cunha). Vi uma carta particular escrita por alguém que foi nessa armada, que ainda permanece por lá muito secretamente e, aqui, esse assunto está muito oculto. Esse que escreveu relata que, ao seguirem pela costa do Brasil, encontraram um capitão do Sereníssimo Rei que habita certa parte da costa, chamado Duarte Coelho. Diz que, ao saber da missão deles, informou que possuía intérpretes locais que o certificaram da existência de grande quantidade de ouro numa serra e província situada próximo ao rio Maranhão. Outro grupo de intérpretes, mais próximo, confirmou que poderiam alcançar essa serra onde diziam estar o ouro.
O capitão da armada tomou esses intérpretes e seguiu pela costa do Brasil até chegar a esse rio. Contudo, apesar de levar muita gente, ao tentarem desembarcar próximo ao rio, foram atacados pelos habitantes locais, que, segundo se diz, eram tão ferozes que o capitão português não conseguiu permanecer ali. Relata-se que essa gente, que vive próxima ao rio, é chamada de Pitiguares (Potiguares), um povo muito bravo. Soube-se também que um navio castelhano, que navegava rumo ao Rio da Prata e aportou naquela costa, naufragou, e que alguns de seus tripulantes chegaram à terra, mas foram capturados e devorados pelos nativos.
Os portugueses que conseguiram capturar alguns nativos e intérpretes confirmaram que, naquela serra e província, por onde passa o rio Maranhão, há muito ouro. Assim, a armada seguiu para esse rio e desembarcou numa ilha junto ao rio. Dizem que foram bem recebidos pelos habitantes locais e deram à ilha o nome de "A Trinidade". Começaram a edificar um lugar e um castelo, nomeando o local de "Nazaré". Os mesmos nativos certificaram que, a oitenta léguas dali, subindo o rio Maranhão, havia uma quantidade infinita de ouro.
Os portugueses chegaram com sua armada nesse local no mês de março passado, aportando nove navios – quatro naus e cinco caravelas. Aqui em Lisboa, essa notícia é considerada de grande importância e foi recebida com grande entusiasmo. Esforçam-se para manter isso o mais oculto possível. Se isso afeta ou não a jurisdição desses reinos, não sei dizer.
Nesta primeira nau que chegou agora das Índias, vieram dois castelhanos. Um deles veio falar comigo; chama-se Andrés de Urdaneta, é biscaíno e viajou com o Comendador de Loaysa. Sempre esteve em Maluco (Malaca) até agora. Ele trazia cartas e um livro de relatos escritos por um castelhano chamado Fernando de la Torre, que era o capitão dos castelhanos que lá ficaram. Essas cartas eram dirigidas a Sua Majestade, mas, ao chegar a Lisboa, um oficial do Sereníssimo Rei as confiscou, assim como o livro, e não quis devolvê-los.
Esse homem me disse que conhece todo o conteúdo das cartas e do livro, pois viveu todos esses acontecimentos. Eu gostaria que ele partisse imediatamente para relatar tudo a Vossa Majestade, pois, se permanecer por aqui, pode desaparecer. No entanto, ele se recusou a partir sem antes voltar a Lisboa para buscar um piloto, seu companheiro, que lá deixara doente. Prometeu-me que, após isso, partiria para Vossa Majestade.
Quanto às cartas, não fiz nenhuma diligência para recuperá-las, apesar de ele ter me pedido, pois me parece que, por agora, isso não convém. Sobre as outras naus que se acredita terem chegado, esforçar-me-ei para saber se vêm mais castelhanos e, do que souber, informarei Vossa Majestade.
Suplico a Vossa Majestade que ordene mostrar esta carta ao Conselho das Índias, pois me parece ser do interesse do serviço de Vossa Majestade. Que Nosso Senhor aumente a vida e o real estado de Vossa Majestade por muitos anos, com acréscimo de muitos mais reinos e senhorios.
De Évora, aos 15 de julho de 1536.
De Vossa Majestade, muito humilde vassalo,
Luis Sarmiento
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