(Divulgação)
COLUNA
Rogério Moreira Lima
Engenheiro e professor, foi coordenador Nacional da CCEEE/CONFEA e vice-presidente CREA-MA (2022). É membro da Academia Maranhense de Ciência e diretor de Inovação na Associação Brasileira de
Rogério Moreira Lima

Engenharia, Medicina e os Beatles: a incrível história por trás da Tomografia Computadorizada

O legado deixado por Hounsfield consolidou uma nova área de atuação que, décadas depois, seria reconhecida formalmente no Brasil.

Rogério Moreira Lima

Atualizada em 10/11/2025 às 09h55

Poucos sabem, mas um dos maiores avanços da medicina moderna nasceu das mãos de um engenheiro eletricista. Godfrey Newbold Hounsfield, britânico nascido em 1919, aplicou os fundamentos da engenharia elétrica, integrando conhecimentos de eletrônica, computação e física, para criar algo que mudaria para sempre a forma de enxergar o corpo humano: a tomografia computadorizada.

Em 1971, Hounsfield apresentou o primeiro tomógrafo capaz de gerar imagens detalhadas do crânio e do cérebro em finas seções processadas por computador. A inovação permitiu que médicos observassem estruturas internas com precisão inédita, sem a necessidade de procedimentos invasivos. Esse marco tecnológico representou uma verdadeira revolução no diagnóstico por imagem, transformando a radiologia em uma ciência quantitativa e tridimensional.

Sua trajetória profissional já demonstrava um espírito inovador singular. Em 1959, Hounsfield liderou a equipe responsável pelo desenvolvimento do primeiro computador britânico transistorizado, experiência decisiva para a criação de um sistema capaz de converter sinais de raio X em imagens digitais. A iniciativa uniu fundamentos da engenharia elétrica e da matemática aplicada, consolidando uma nova fronteira entre a tecnologia e a medicina.

Um aspecto pouco conhecido dessa história diz respeito ao ambiente institucional que possibilitou o avanço da pesquisa. Hounsfield desenvolveu seus estudos na empresa EMI, que além de atuar no setor de eletrônica, era também a gravadora responsável pelo sucesso dos Beatles. O impacto global da banda, a partir de 1963, elevou substancialmente os lucros da EMI, criando condições financeiras favoráveis à pesquisa e ao investimento em projetos de alto risco tecnológico. Foi nesse contexto que a empresa decidiu apoiar o desenvolvimento do equipamento idealizado por Hounsfield.

Estudos históricos indicam que a EMI aportou cerca de £100 mil no desenvolvimento inicial do tomógrafo, enquanto o Department of Health and Social Security (DHSS) do Reino Unido contribuiu com aproximadamente £606 mil para os testes clínicos e a produção das primeiras unidades (Daniel, 2025; Bartlett, 1993). Em 1º de outubro de 1971, o primeiro exame clínico de tomografia computadorizada foi realizado no Atkinson Morley Hospital, em Londres, inaugurando uma nova era na medicina diagnóstica.

Em reconhecimento à magnitude dessa conquista, Hounsfield recebeu, em 1979, o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, ao lado do físico Allan Cormack. Sua invenção tornou-se um símbolo da integração entre ciência, tecnologia e compromisso humano com o avanço do conhecimento.

O legado deixado por Hounsfield consolidou uma nova área de atuação que, décadas depois, seria reconhecida formalmente no Brasil. Em 26 de julho de 2018, o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA) publicou a Resolução nº 1.103/2018, inserindo o título de Engenheiro Biomédico na Tabela de Títulos Profissionais do Sistema Confea/Crea e discriminando suas atividades e competências. Essa medida reflete a evolução natural da engenharia elétrica aplicada à área da saúde, evidenciando a relevância dos engenheiros eletricistas no desenvolvimento de equipamentos biomédicos e sistemas hospitalares complexos.

Cumpre esclarecer que o CONFEA não reconhece cursos de engenharia, competência que é exclusiva do Ministério da Educação (MEC). Ao Conselho cabe registrar, em sua Tabela de Títulos Profissionais, os cursos oficialmente reconhecidos pelo MEC, em conformidade com o disposto na Lei Federal nº 5.194, de 24 de dezembro de 1966, que regula o exercício das profissões de engenheiro, arquiteto e engenheiro agrônomo.

Hoje, esse legado se renova com o trabalho de engenheiros eletricistas, engenheiros em eletrônica e engenheiros biomédicos que desenvolvem tecnologias de ponta para a saúde, como tomógrafos de alta resolução, sistemas de ressonância magnética, equipamentos de diagnóstico por imagem, ventiladores hospitalares inteligentes e dispositivos de monitoramento remoto de pacientes. A integração entre engenharia e medicina continua a salvar vidas, reafirmando que cada avanço tecnológico é, em essência, uma conquista da ciência e da humanidade.


As opiniões, crenças e posicionamentos expostos em artigos e/ou textos de opinião não representam a posição do Imirante.com. A responsabilidade pelas publicações destes restringe-se aos respectivos autores.

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais X, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.