Leia Mulheres
A literatura é uma importante arma de combate contra as desigualdades de gênero. Por isso, hoje iremos indicar seis livros de poesia escritos por mulheres.
Você sabia que a poesia deu origem à civilização ocidental e, consequentemente, ao mundo como o conhecemos? Tudo começou na Grécia Antiga com a Ilíada e a Odisseia, de Homero. A poesia ocupava um lugar de prestígio e honra na civilização grega, totalmente diferente do lugar subalterno que ocupa hoje.
Antes da constituição da pólis e da adoção do alfabeto, havia apenas uma comunidade agrícola e pastoril. Nesse contexto, o poeta-cantor, conhecido como aedo, representava o auge da tecnologia de comunicação, e em consequência disso, detinha o poder. Através da poesia, os gregos transmitiam, e conservavam, toda a visão de mundo e consciência de sua própria história (sagrada e exemplar).
A poesia de Homero inspirou, mais tarde, o surgimento da filosofia e, em consequência disso, o surgimento de todas as áreas do conhecimento científico, que temos acesso hoje. Sim, a poesia teve (e tem) uma grande importância para o mundo. Porém, na contemporaneidade, a literatura, sobretudo a poesia, tem ocupado um lugar subalterno, às sombras. Precisamos ressignificar o papel da poesia em nossas vidas, conferir-lhe o prestígio que merece. Por isso, hoje iremos indicar seis livros de poesia escritos por mulheres.
Ardósia (2022), de Larissa Lins, é um livro cujos significados estão intimamente atrelados ao seu título, uma vez que ardósia é uma rocha fria e resistente às intempéries. Ardósia é composto por poemas que trazem fluidez, que acompanham o ritmo da respiração, tanto pela pouca recorrência (e até mesmo ausência) de sinais de pontuação, quanto pelas temáticas abordadas, tais como saudade, solitude, tempo, dentre outras que remetem ao dia a dia. Nessa obra de Larissa Lins, nos vemos frente a frente com o cotidiano de uma mulher comum, que passou por diversos traumas e dores, e, por esse motivo, se tornou fria e forte como uma rocha, no entanto, segundo o pesquisador Fred Spada (na orelha do livro), também “o onírico impõe suas demandas, descortinando o palco onde se encenam os sonhos e se subvertem o amor, as dores, a razão - e a própria vida”. Os temas abordados por Larissa, por vezes, nos recordam os de Emily Dickinson.
Outro livro que faz referência à poeta Emily Dickinson é Variados Poemas (2022), de Carollina Costa, que inclusive tem a segunda seção intitulada “The preaching of Emily”, exclusivamente dedicada à autora estadunidense. Variados Poemas é subdividido em três partes. A primeira, cujo título é “Memórias”, apresenta poemas que abordam a ancestralidade, por isso, são ligados à infância, laços familiares e ao sertão, terra de onde descende a escritora Carollina Costa. Como já mencionamos, a segunda parte do livro é uma homenagem à Dickinson. Dessa maneira, os poemas orbitam ao redor de temáticas caras à poeta estadunidense: tempo, silêncio, flores, pássaros, borboletas, amor, liberdade, autoconhecimento e despedidas. Por fim, a terceira parte do livro, denominada “O artista”, traz poemas metalinguísticos, que apresentam a escrita como voz/grito, alívio, silêncio, resgate do sagrado feminino e, até mesmo, necessidade. O diferencial de Variados Poemas é a utilização de dois idiomas distintos, português e inglês, de forma livre, sem convenções. A grande maioria dos poemas está em língua portuguesa, mas, vez por outra, a autora escreve em inglês.
Deve ser um buraco no teto (2022), de Camila Paixão, é um livro forte, que aborda temas difíceis, tais como ansiedade, solidão, dor, tristeza, perdas, traumas e insegurança. Mas também apresenta a escrita como válvula de escape, voz, alívio, um lugar de liberdade. Assim podemos notar, tal como diz o poema Epílogo, de Camila Paixão, que “O livro / é também / um corpo habitado” (p. 48). Habitado pelos vazios e incompletudes, pelas lembranças e esperanças. Esse livro é uma resolução, pois somente no momento em que entendemos o passado, com suas dores e traumas, é que podemos seguir em frente, melhorar o futuro, sermos mais fortes. É um livro de recomeços.
É tudo ficção (2022), de Flavia Ferrari, é um livro denso e reflexivo, subdividido em oito partes. “Espera-se que a vida seja inteira” (p. 7), esse verso presente na primeira seção, intitulada “Dedicatória”, situa o contexto da obra, uma vez que demonstra o intento do eu-lírico em viver de forma plena, inteira, ter sentimentos intensos. Já a segunda parte, denominada “Abertura”, traz os versos que dão nome ao livro: “É tudo ficção/ A garantia ao voto/ O descanso após a conquista/ O bom senso comum” (p. 11, poema Enxame). “Cenário” é o título da terceira seção, que aborda temas como a melancolia, a solidão, o cansaço e a saudade. A quarta parte do livro, nominada “Através da janela”, apresenta a questão da existência e a fugacidade do tempo. A quinta seção, titulada “Entre paredes”, versa sobre o amor e a brevidade da vida. “Desfecho” é a sexta parte que ocupa-se das temáticas mais difíceis do livro: morte, luto, suicídio e tristeza. “Epílogo” é uma seção dedicada às memórias. E, finalmente, “Agradecimento” é a oitava e última parte da obra de Flavia Ferrari, que refere-se às diferentes nuances e os limites entre a presença e a ausência. É tudo ficção é um livro com vida própria, que nos leva ao despertamento.
Dias medidos em xícaras de café (2023), de Gabriele Rosa, é um livro dividido em quatro partes: “melancólica, moagem”, “sanguínea e o vapor barato”, “fleumática entre 82ºC e 85ºC” e “colérica ou coador de pano”. Essa obra aborda a solidão, melancolia, confinamento e monotonia ocasionados pela pandemia da COVID-19, momento no qual “o mundo parou / e as casas engoliram as gentes” (p. 25, poema lupa). No entanto, esse livro de Gabriele Rosa não é apenas sobre o cotidiano de uma mulher confinada no seu lar, lidando com o trabalho que “se mudou” para sua casa e os “afetos virtuais”. Dias medidos em xícaras de café é um convite para enxergarmos “melhor com os olhos fechados”, termos um contato profundo com os objetos, animais, plantas e pessoas mas, principalmente, com nós mesmos, pois “como medir o que não cabe no espelho?” (p. 37, poema desnudos). Além disso, o eu-lírico de Gabriele coloca o “patriarcado e [o] capitalismo em xeque” (p. 51, poema vapor), uma vez que, a todo instante, a mulher é a protagonista, que carrega “todas as que vieram antes”, valoriza o sagrado feminino, conecta-se com a ancestralidade.
Por fim, indicamos o livro Trama (2023), de Jussara Helene, que contém 60 poemas que versam sobre temas como o tempo, o amor, a natureza, o nascimento e a morte, o início e o fim. É uma obra que aguça os órgãos dos sentidos, ao explorar sabores, texturas, cheiros e cores vivas. Assim também como apresenta as metamorfoses do tempo, através da sequência das estações — primavera, verão, outono e inverno — e da vida, desde a infância até à velhice. Trama é marcado pela saudade, pelas memórias, mas também por sérias críticas sociais à poluição, ao desmatamento, à fome, à pobreza, à escravidão e à violência contra a mulher. É um livro que tece, com maestria, o novelo da vida.
Todos os livros, que indicamos neste ensaio, são carregados de cenas cotidianas ressignificadas, temas existenciais como a vida, a morte, o tempo, o amor, a solidão e o silêncio, bem como críticas sociais severas ao machismo, à violência e ao ódio. São livros carregados de afeto, ancestralidade e, sobretudo, respeito. E mais: a literatura é uma importante arma de combate contra as desigualdades de gênero. Portanto, leia mulheres!
REFERÊNCIAS:
COSTA, Carollina. Variados Poemas. Rio de Janeiro: Ed. da Autora, 2022.
FERRARI, Flavia. É tudo ficção. Curitiba: Eu-i, 2022.
HELENE, Jussara. Trama. Santo André/SP: M.inimalismos, 2023.
HOMERO. Ilíada. Tradução de Frederico Lourenço. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
________. Odisséia. Tradução de Frederico Lourenço. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
LINS, Larissa. Ardósia. Cotia: Urutau, 2022.
PAIXÃO, Camila. Deve ser um buraco no teto. São Paulo: Editora Laranja Original, 2022.
ROSA, Gabriele. Dias medidos em xícaras de café. Cotia: Urutau, 2023.
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