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COLUNA
Leonardo Soares
Leonardo Soares é vice-reitor da UFMA, graduado em Ciências Aquáticas, mestre em Sustentabilidade de Ecossistemas, doutor em Desenvolvimento e Meio Ambiente, com pós-doutorado em Planejamento
Leonardo Soares

Mudanças climáticas no banco dos réus

Na última semana, um marco ensurdecedor tomou forma na Corte Internacional de Justiça (CIJ): os juízes da mais alta instância jurídica das Nações Unidas iniciaram a leitura de um parecer sobre as obrigações legais dos Estados frente à emergência climática

Leonardo Soares

Na última semana, um marco ensurdecedor tomou forma na Corte Internacional de Justiça (CIJ): os juízes da mais alta instância jurídica das Nações Unidas iniciaram a leitura de um parecer sobre as obrigações legais dos Estados frente à emergência climática. A iniciativa, solicitada pela Assembleia Geral da ONU, representa uma inflexão histórica no tratamento jurídico da crise do clima.

Trata-se, como afirmou Joie Chowdhury, advogada do Center for International Environmental Law, de uma das decisões jurídicas mais relevantes de nossa era — não apenas por seu valor legal, mas pelo poder simbólico de reconhecer que a mudança climática não é uma abstração científica ou uma questão de "futuro", mas uma ameaça real, urgente e existencial que já nos atravessa. É a justiça dando nome ao colapso.

A Corte foi clara: as nações mais industrializadas têm responsabilidade diferenciada e intransferível na contenção da crise climática, inclusive sobre as ações de empresas sob sua jurisdição. A emissão de gases de efeito estufa, como afirmou o juiz Hisashi Owada, é causada inequivocamente por atividades humanas e provoca efeitos transfronteiriços — um lembrete óbvio, mas necessário, em tempos de negacionismo reciclado em narrativas de conveniência.

O parecer, ainda que não vinculante, tem peso jurídico e moral incontornável. Representa uma base sólida para futuras demandas legais, políticas públicas, marcos regulatórios e instrumentos de financiamento climático, especialmente para os países que menos contribuíram para o problema, mas que estão entre os mais atingidos por ele. É, portanto, um documento de referência para o que podemos chamar, sem exagero, de um novo alicerce jurídico da justiça climática global.

Mas o diagnóstico é grave: estamos na contramão da história. As emissões continuam a subir; as matrizes energéticas fósseis permanecem dominantes; o desmatamento avança sobre florestas tropicais; e o ritmo das negociações multilaterais segue lento, fragmentado e profundamente desigual. Se mantida essa trajetória, levaríamos séculos para estabilizar o clima, quando o tempo que nos resta é da ordem de décadas — ou menos.

A decisão da CIJ acontece em um momento simbólico: o mundo se organiza para a COP30, marcada para 2025, em Belém do Pará. A expectativa é de que o parecer influencie as novas metas climáticas e a repartição mais justa dos esforços de mitigação e adaptação, possivelmente abrindo caminho para uma reinterpretação dos compromissos do Acordo de Paris.

Contudo, enquanto o mundo jurídico dá sinais de avanço, o Brasil tropeça nos próprios retrocessos. A recente aprovação do PL nº 2159/2021 — apelidado por especialistas de "PL da Devastação" — enfraquece o licenciamento ambiental e compromete a capacidade do país de cumprir com suas obrigações climáticas. Um gesto contraditório e alarmante, sobretudo para uma nação que será anfitriã da próxima grande conferência do clima.

Vivemos um tempo em que a ciência já falou, a justiça começa a falar, mas muitos governos seguem mudos — ou falam apenas quando pressionados. A decisão da CIJ não resolve a crise, mas demarca um campo: o da responsabilização e da justiça. É um começo. E talvez, o único caminho possível para assegurar um futuro habitável num planeta em acelerado desequilíbrio.

 

 


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